STF define critérios mais rígidos para tratamentos fora do rol da ANS

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O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, por maioria, estabelecer critérios mais restritivos para a cobertura de tratamentos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Nesta quinta-feira (18/9), a Corte finalizou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7265. A decisão, com placar de 7 votos a 4, estabeleceu a constitucionalidade parcial da Lei 14.454/2022, para interpretação conforme do parágrafo 13. A decisão seguiu a posição do relator, ministro Luís Roberto Barroso. A posição majoritária foi antecipada pelo JOTA PRO Saúde no dia 5 de setembro.

A decisão passa a valer assim que for publicada a ata do julgamento, na próxima semana. Em regra, por se tratar de uma ADI, os efeitos do julgamento valem para todas as ações que ainda não transitaram em julgado, inclusive aquelas em que já havia decisão. Entretanto, os ministros não foram expressos quanto à modulação dos efeitos, o que pode ser questionado posteriormente em embargos.

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Além de Barroso, votaram pela tese da constitucionalidade parcial, com a aplicação de critérios mais rígidos para a cobertura de procedimentos os ministros: Kassio Nunes Marques, Cristiano Zanin, André Mendonça, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Divergiram, votando pela constitucionalidade total da lei: Flávio Dino, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia.

Condições para cobertura

Segundo o entendimento majoritário, o rol da ANS deve ser considerado uma base para atendimentos de saúde, mas admite exceções desde que sejam satisfeitas, cumulativamente, cinco condições:

  • prescrição por médico ou odontólogo assistente;
  • inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise de proposta de atualização do rol (PAR);
  • inexistência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol da ANS;
  • comprovação de eficácia e segurança do tratamento com fundamento na medicina baseada em evidências, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível;
  • existência de registro na Anvisa.

De acordo com o relator, a intenção do voto foi manter o máximo atendimento possível, mas preservando o equilíbrio do sistema de saúde. A lógica da saúde suplementar, colocou, difere da saúde pública. O argumento foi endossado no voto lido por Cristiano Zanin na tarde desta quinta (18/9). De acordo com ele, não parece adequado que a saúde suplementar tenha obrigações mais amplas que o Sistema Único de Saúde (SUS), citando os temas de repercussão geral 6 e 1234.

Insegurança

O ministro André Mendonça também acompanhou o relator acrescentando que o setor privado não recebe subvenções. Ele apontou que expressões vagas e ambíguas na lei geram insegurança jurídica e imprevisibilidade para a iniciativa privada, podendo levar ao aumento de mensalidades e à redução do número de usuários. Mendonça chegou a entender pela inconstitucionalidade total do parágrafo 13, mas acompanhou o relator quanto à interpretação conforme.

O ministro Luiz Fux também se alinhou à tese majoritária, ressaltando a necessidade de conhecimento interdisciplinar para um tema dessa complexidade e a aplicação do mesmo regime de critérios técnicos exigidos do SUS (Temas 6 e 1234) para a saúde suplementar. Ele destacou a importância da segurança jurídica e a atuação da ANS, além de mencionar o princípio da dinâmica da prova no CPC.

Ao acompanhar o relator, o ministro Gilmar Mendes destacou a complexidade do caso e disse acreditar que o Supremo ainda deve voltar à questão da judicialização da saúde. Além de ratificar os critérios, ele afirmou que é preciso respeitar os princípios do mutualismo e da livre iniciativa em relação à saúde suplementar. Mendes lembrou ainda que, durante a discussão do tema 1234, foi sugerida uma agência única a partir da junção das funções da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o ministro, é um tema que ainda precisará ser enfrentado.

Divergência

O ministro Flávio Dino, que abriu a divergência na quarta-feira (17/9), defendeu a plena constitucionalidade dos parágrafos 12 e 13 da lei e acreditava que o legislador caminhou em “boa direção” ao estabelecer esse marco. Para Dino, não haveria espaço para uma ideia de “taxatividade pura”. Ele comparou a lei à “taxatividade mitigada” já definida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e argumentou que a lei já solucionava a questão de o rol não ser puramente taxativo, observada a regulamentação da ANS. O ministro também levantou a preocupação de que critérios muito rígidos poderiam transferir o ônus dos planos de saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS).

O voto foi integralmente acompanhado por Edson Fachin, que defendeu a improcedência da ação. Ele enfatizou a legitimidade da opção legislativa do Congresso Nacional e a ausência de inconstitucionalidade patente nos trechos impugnados. Fachin citou a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, defendendo que a amplitude garante o direito à não discriminação.

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A ministra Cármen Lúcia também votou pela constitucionalidade integral da lei, afirmando que as normas já determinam que a ANS cumpra sua função e obedeça aos parâmetros fixados, não havendo, em uma ADI, algum fator que justificasse uma intervenção para “afinar com mais segurança” a atuação da agência.

O ministro Alexandre de Moraes, embora votasse pela constitucionalidade total da lei, notou que ambas as correntes concordavam que o rol não é taxativo, diferenciando-se na necessidade de interpretação conforme. Ele defendeu que a própria lei já exclui diversas coberturas e permite coberturas específicas, reforçando a questão de tratamentos não reconhecidos sob o aspecto médico. Para Moraes, a conjugação dos critérios da lei já seria quase idêntica à proposta do relator, desde que a lei fosse interpretada como um todo, completou o ministro Flávio Dino.

Histórico da ação

A discussão sobre a natureza do rol da ANS não é recente. Antes de 2021, não havia uma definição normativa expressa sobre a natureza jurídica do rol, o que gerou interpretações divergentes no Judiciário, inclusive no STJ, conforme lembraram os ministros durante o julgamento no Supremo.

A controvérsia se intensificou em 2021, com a edição da Resolução Normativa 465/2021 da ANS, que passou a qualificar o rol como taxativo para fins de cobertura obrigatória. Em junho de 2022, o STJ, no julgamento dos EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, concluiu que o rol da ANS é, em regra, taxativo, mas admite exceções em hipóteses específicas, estabelecendo critérios para a cobertura de tratamentos não previstos.

No mesmo ano, o Poder Legislativo editou a Lei 14.454/2022, que alterou a Lei 9.656/1998 para impor a cobertura de tratamentos fora do rol, desde que preenchidos determinados critérios. A ADI 7265 foi ajuizada pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) para questionar os parágrafos 12 e 13 do artigo 10 da Lei 9.656/1998, incluídos pela Lei 14.454/2022.

O julgamento da ADI começou em abril, com a leitura do relatório pelo ministro Luís Roberto Barroso e sustentações orais de advogados inscritos como amigos da corte. Durante o processo, órgãos públicos como a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Presidência da República, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados manifestaram-se favoravelmente à constitucionalidade integral da lei.

As casas legislativas defenderam que o entendimento legislativo sempre foi de que o rol teria caráter exemplificativo desde a criação da Lei dos Planos de Saúde.