STF começa a julgar se polícia deve avisar suspeito sobre direito ao silêncio em abordagem

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“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal.”  A frase, sempre repetida nos filmes americanos, de fato, precisa ser sempre dita quando uma pessoa é presa nos Estados Unidos, devido ao que foi decidido pela Suprema Corte daquele país no caso Miranda v. Arizona, em 1966. A decisão preconizou o aviso de Miranda, ou Miranda Rights. Nesta quarta-feira (29/10), o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar qual é a extensão deste direito no Brasil em casos de abordagem policial. O julgamento também definirá se provas encontradas devem ser anuladas caso a advertência não tenha sido feita pelo agente de segurança no momento da prisão.

O julgamento será retomado nesta quinta-feira (30/10). Até o momento, só foram feitas as manifestações das partes e entidades admitidas no processo. O caso tem repercussão geral, ou seja, a definição deverá ser seguida por todas as instâncias da Justiça.

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O direito ao silêncio está na Constituição. Segundo o texto, o preso será informado de seus direitos, “entre os quais o de permanecer calado”. Os ministros precisam definir se esse direito deve ser informado logo na primeira abordagem pela polícia, ou se pode ser avisado só durante o interrogatório formal durante inquérito ou ação penal.

O caso concreto é de um recurso em que um casal preso em flagrante discute decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que entendeu que os policiais não são obrigados a avisar sobre o direito ao silêncio.

Conforme o processo, durante o cumprimento de mandado de busca, a acusada admitiu informalmente a posse de munições e armas em sua casa.

Para a defesa dos acusados, é preciso reconhecer o dever dos policiais de avisar o direito ao silêncio logo na primeira abordagem. “A contenção da força estatal para colocá-la nos limites do direito é essencial no estado democrático de direito, e é isso que se pede nesse caso”, afirmou o advogado Alberto Toron, que representa o casal.

Toron também defendeu que, reconhecido esse dever dos agentes, caberá às instâncias inferiores da Justiça analisar eventuais irregularidades em condenações por provas obtidas sem o aviso ao direito de ficar calado.

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O procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, disse que o modelo policial atual impõe que a obrigação de informar o direito ao silêncio só deve valer nos casos em que houver prisão em flagrante do suspeito.

“Devido a circunstâncias específicas o policial militar pode não ter tempo ou condições de declarar verbalmente a eles”, afirmou. No caso concreto, Costa opinou de forma contrária ao recurso dos acusados.

“A legislação brasileira não traz exigência de que se apresente advertência de declaração espontânea que se antecipe aos agentes, limitando a interrogatório da fase de investigação e judicial. Só deve ser exigida advertência fora do interrogatório formal nas hipóteses em que atuação resultar na prisão do indivíduo. Somente serão anuladas provas diretamente derivadas dessa admissão”, declarou.

Costa fez um alerta sobre a possibilidade de haver uma “enxurrada de volumosos processos” e recursos debatendo “interminavelmente” se houve ou não advertência.

O defensor público-geral da União, Leonardo Magalhães, defendeu a obrigação de a informação ser feita ao suspeito no momento da abordagem policial. “A Constituição escolheu a liberdade como limite, condição e finalidade da justiça penal”, afirmou.

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No mesmo sentido se manifestou o advogado Sergio Rodrigues Leonardo, representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ela, a medida é uma afirmação dos direitos e garantias fundamentais, da defesa dos direitos humanos, e da própria jurisprudência do Supremo.

Ao apresentar manifestação pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Roberto Soares Garcia citou pesquisa feita pela entidade junto com o DataLab sobre o sentimento de pessoas abordadas.

“Identificamos que 90% dos negros abordados sentiram-se violentados pela abordagem realizada e 66% dos brancos também se sentiram violados”, afirmou. “Portanto, não é uma questão irrelevante a forma como o agente policial age ao interferir na vida de alguém que está passando para ir trabalhar”, declarou.