A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou na última terça-feira (20/5), por 4×1, uma decisão da Justiça do Trabalho que condenou subsidiariamente o Estado do Amapá ao pagamento de verbas rescisórias e horas extras a uma técnica de enfermagem “quarteirizada”.
A chamada “quarteirização” seria uma espécie de “evolução” da terceirização, onde a empresa terceirizada delega responsabilidades para um terceiro.
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No caso, a profissional prestou serviços em uma unidade estadual de saúde por meio de uma cadeia de contratações: o ente federativo firmou contrato com o Instituto Brasileiro de Gestão Hospitalar (IBGH), que, por sua vez, contratou a empresa de gestão médica da qual a técnica era funcionária.
Por maioria, a 2ª Turma decidiu que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8) contrariou o entendimento firmado pelo STF na ADC 16, que afastou a responsabilidade automática da administração pública por débitos trabalhistas não pagos por empresas terceirizadas, condicionando sua condenação à comprovação de culpa ou negligência.
Prevaleceu a divergência inaugurada pelo ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelos ministros Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli. Ficou vencido o relator, ministro Edson Fachin, que votou para negar o recurso do Amapá (Rcl 74435) e considerar sua reclamação improcedente.
O julgamento foi levado à análise presencial do colegiado por pedido de destaque do ministro Nunes Marques. Quando foi suspenso no plenário virtual, o placar estava em 3×1, para cassar a decisão. Embora os votos tenham sido zerados, os ministros que já haviam se pronunciado virtualmente reiteraram suas posições e Nunes Marques somente acrescentou fundamento, mas acompanhou a divergência de Mendes.
Fachin, relator da ação, reafirmou que, em seu entendimento, não houve reconhecimento automático da responsabilidade subsidiária, mas sim constatação de culpa in vigilando (em fiscalizar), e ponderou que a instância recursal atual não permite que as provas sejam reavaliadas. Ao ler trecho do acórdão do TRT, destacou que no caso estava “devidamente caracterizada a quarteirização” .
Também reiterou que a ADC 16 não afastou a possibilidade de reconhecimento de responsabilidade subsidiária de ente público quando, na origem, o órgão julgador, a partir do exame do acervo fático-probatório dos autos conclui pela existência de fundamentos suficientes para a responsabilização, como entendeu ter ocorrido no processo sob análise.
Já Mendes, que abriu a divergência, voltou a afirmar que a Justiça do Trabalho incorreu na figura da responsabilização automática, contrariando a ADC 16. O decano reiterou que, para ser válido o reconhecimento dessa responsabilidade, de acordo com a jurisprudência do Supremo, seria necessário a comprovação cabal do comportamento reiteradamente negligente da Administração Pública, bem como o nexo causal entre a conduta comissiva ou omissiva do Poder Público e o dano sofrido pelo trabalhador. Além de ser imprescindível a comprovação do conhecimento, pelo ente, da situação de ilegalidade e sua inércia em adotar providências para saná-la. Concluiu novamente que esses requisitos não foram cumpridos no caso em análise.
Nunes Marques, ao votar e justificar o pedido de destaque, chamou a atenção para o entendimento firmado recentemente pelo STF no julgamento do Tema 1.118, no qual a Corte estabeleceu que o ônus da prova em casos como o analisado deve recair sobre quem aciona a Justiça. Ele detalhou que no julgamento do TRT8 houve inversão dessa responsabilidade, citando trechos do acórdão em que o juízo disse que “caberia ao Estado do Amapá comprovar a fiscalização do contrato de gestão pactuada” e que o ente “não trouxe aos autos qualquer documento que corroborasse a efetiva fiscalização”. Assim concluiu que a decisão foi contrária à jurisprudência do Supremo, ao decidir pela responsabilização automática por meio da inversão do ônus da prova.