Solucionando o impacto da inflação na amortização do ativo intangível

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No dia 24 de abril, o governo enviou ao Congresso proposta de regulamentação da primeira etapa da reforma tributária, cujo foco são os tributos sobre o consumo. Ao que tudo indica, o plano do governo é, após o trâmite dessa primeira parte da reforma, enviar ao Congresso a regulamentação da segunda parte, com ênfase nos tributos sobre a renda. Tratar-se-á de excelente oportunidade para o governo propor a solução de uma falha no sistema tributário que prejudica diretamente as concessões comuns e patrocinadas: o impacto da inflação na amortização do ativo intangível.

É que conforme a Orientação OCPC 5, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, os gastos realizados pelo concessionário, nas concessões comuns e patrocinadas, com construções e melhorias incorporam o ativo intangível referente ao direito de explorar o objeto concedido. Ainda segundo o OCPC 5, esse ativo intangível deve ser amortizado dentro do prazo da concessão, seja em função da curva de demanda, seja linearmente. Tal amortização é, nos termos da Lei 12.973/2014, dedutível na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no regime do Lucro Real. 

Ocorre que a Lei 9.249/1995 veda a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras. Ou seja, em havendo inflação, o valor real do ativo intangível diminui ao longo do tempo, diminuindo assim seu potencial de dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Ou seja, assim como ocorre com a não atualização da tabela de alíquotas do IRPF, trata-se de mais um caso em que a falta de atualização monetária gera uma omissiva e inconstitucional majoração tributária que, em artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFMG, denominamos de Majoração por Desindexação.

Trata-se de uma falha no sistema tributário porque, para além de constituir majoração tributária omissiva, ao arrepio do princípio da legalidade, faz incidir tributo sobre o contribuinte não por causa da sua atividade econômica ou da sua capacidade contributiva, mas sim pela existência da inflação, cujo dever de controle é da própria Administração Pública que o tributa.

Todavia, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, no tocante ao imposto de renda, não cabe ao Poder Judiciário realizar correção monetária sem que exista previsão legal para tanto, de modo que seria infrutífera qualquer tentativa das concessionárias em acionarem o Judiciário para que lhes fosse permitido atualizar monetariamente o ativo intangível para fins de apuração da base de cálculo de IRPJ e CSLL.

Projetos de concessão são especialmente impactados por tal falha no sistema tributário porque são, em geral, projetos de longo prazo, de modo que a inflação corrói, ao longo de décadas, o potencial real de dedutibilidade da amortização do ativo intangível. Vale lembrar que, segundo dataset fornecido por Aswath Damodaran, o Brasil é um dos dez países com maior alíquota de tributo marginal para pessoas jurídicas do mundo (IRPJ, IRPJ adicional e CSLL totalizam uma alíquota de 34%). Além disso, o Brasil teve, segundo a  Austin Rating, a sétima maior inflação dos países do G20 em 2023.

Mas qual é o impacto, na prática, de tal falha no bolso dos usuários dos serviços concedidos? Isso depende das características de cada projeto, mas tende a ser maior quanto mais intensivo o projeto for em Capex, e quanto mais ele for concentrado no início da concessão. Por exemplo, ao analisar o modelo econômico-financeiro do Lote 2 – Sul de Minas, licitado em 2022, estima-se que caso fosse possível atualizar monetariamente o ativo intangível, a tarifa do pedágio poderia ser 7,62% menor.

Mas para além do impacto calculável nas planilhas econômico-financeiras, a falha ora analisada também gera um impacto no nível de incerteza do licitante sobre o futuro do projeto e de que maneira a inflação, e seu eventual descontrole, irá impactar no retorno do seu investimento. Ou seja, por mais que o concessionário possa estar contratualmente protegido da inflação em termos de receitas ao se permitir o reajuste das tarifas, ele não está protegido da inflação no que tange a perda de potencial dedutivo da amortização do ativo intangível. Tal incerteza é precificada no momento da licitação, ensejando uma proposta de tarifa maior do que seria caso tal falha não existisse em nosso sistema tributário.

Felizmente, a solução para essa falha é simples. Basta que se preveja a possibilidade de atualização monetária do ativo intangível, exclusivamente para fins de apuração do Lucro Real, pelo IPCA. Essa medida, que pode ser proposta pelo governo na regulamentação da segunda parte da reforma tributária, acabará com a Majoração por Desindexação nas concessões comuns e patrocinadas, trazendo mais segurança para os concessionários e mais modicidade tarifária para os usuários.