Sobre o plano de adaptação climática

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Adaptar é estar preparado para a (nova) realidade, o que significa que ecossistemas e pessoas deverão estar adaptados ao novo normal, adequando-se ao clima e temperatura reais por meio de políticas públicas sérias, comprometidas com a vida das pessoas, em especial de grupos mais vulnerabilizados.

Para Ana Carolina Abreu[1], “a ideia da adaptação é justamente a de reduzir as vulnerabilidades e aumentar a resiliência aos eventos climáticos, assim atenuando os riscos climáticos”. Para tanto, é necessário um diálogo permanente com a cientificidade e com o saber tradicional.

Com a publicação da Lei 14.904, de 27 de junho de 2024, o estabelecimento de normas gerais de um plano nacional de adaptação abre espaço para desafios ao Poder Executivo: cabe agora o estabelecimento de orçamentos robustos e planos e estratégias a serem implementados em níveis nacional, regional, estadual, municipal e local. Vencido um primeiro e grande desafio no Legislativo, restará ao Executivo as execuções dos planos para então o Judiciário intervir, caso necessário, ao observar o descumprimento do que determinam as leis.

Os desafios transitam ainda pela sociedade, já que é necessária sua participação efetiva neste debate; assim como o mercado. O art. 225 da Constituição que diz que o dever de proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado incumbe aos poderes públicos, mas também à coletividade – aquela que explora e que sofre as consequências de um meio ambiente à nossa disposição.

Em que pese elementos como raça e gênero serem excluídos do texto antes do envio à sanção presidencial, o inciso V do art. 2°, revela um avanço em políticas climáticas no país à medida que assegura que os planos de adaptação climática estabeleçam prioridades com base em setores e regiões mais vulneráveis, a partir de identificação de vulnerabilidades baseadas em estudos de análise de riscos (olha a cientificidade expurgando o negacionismo em matéria climática, assim como se deu no inciso X, do art. 2°).

Ainda sobre o inciso V do art. 2°, há aqui um espaço para a discussão do grande debate que envolve as variadas formas de vulnerabilidades na seara do estudo do clima e seus impactos.

Isto porque sabemos que nem todos são atingidos igualmente pelas mudanças climáticas e pelos desastres. Trazer o debate da vulnerabilidade para dentro dessas políticas públicas de adaptação é fundamental na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Embora de forma ainda tímida, a novel lei o fez.

Perdeu-se a oportunidade em falar em orçamento, poder-dever de agentes públicos, responsabilidades dos Poderes e obrigatoriedade de medidas a serem implementadas já que diretrizes mais direcionas que vinculam. Ainda faltou falar da importância dos saberes tradicionais manejados por indígenas, rurais e comunidades tradicionais.

Vale ressaltar ainda a previsão do art. 8° que estabeleceu que o “plano nacional de adaptação à mudança do clima promoverá a cooperação internacional nos âmbitos bilateral, regional e multilateral para o financiamento, a capacitação, o desenvolvimento, a transferência e a difusão de tecnologias e processos para a implementação de ações de adaptação, incluídos a pesquisa científica, o monitoramento e a avaliação sistemática dos impactos da mudança do clima e o intercâmbio de informações”.

Ora, a cooperação internacional em matéria climática é mecanismo essencial para financiamento e troca de conhecimento de modo que tal previsão deve ser comemorada e posta nas mesas de negociação em diversas oportunidades nas mãos do Brasil, a exemplo da COP 30 a se realizar em Belém em 2025.

Na última quinta-feira (4) foi divulgada a Resolução nº 3[2], de 3 de julho de 2024, do Conselho da Federação (Órgão da Presidência da República), que estabelece o compromisso para o federalismo climático no Brasil. A principal contribuição do normativo passa por analisar o clima como política pública e a partir daí trazer elementos de justiça com a finalidade de combater as desigualdades sociais causadas pelo clima.

Esta resolução coloca a mudança do clima no centro da agenda governamental, considerando ainda sua transversalidade, institucionalização e a garantia dos meios de implementação adequados ao enfrentamento da crise climática. É, portanto, uma demonstração cabal do avanço da matéria climática na seara dos Poderes Executivos.

Adaptar é adequar, o que significa também incluir, pois nem todos precisarão das mesmas políticas e medidas ao clima e temperatura reais. Somente assim falaremos de adaptação justa como a necessidade que leva em conta as vulnerabilidades e necessidade de resiliência a depender do grupo e pessoa vulnerabilizada, consideradas suas particularidades.

[1] Disponível em https://www.kas.de/documents/d/brasilien/cadernos-3-2023-cap-7

[2] Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-3-de-3-de-julho-de-2024-569958611