Modificar a cultura linguística do Direito é um desafio. Ao elaborar petições, peças jurídicas ou acórdãos, o operador do Direito precisa ter em mente que o ato de comunicar diz muito mais sobre o que o outro entende do que sobre o que ele escreve ou fala. Afinal, quanto mais distante a linguagem utilizada nas decisões judiciais, menos compreendida é a atuação do Judiciário pelo cidadão comum.
Os efeitos da simplificação da linguagem jurídica são ainda mais abrangentes quando percebemos que a ampla compreensão das decisões judiciais e suas consequências no dia a dia servirá para aproximar o cidadão do Poder Judiciário.
Há cerca de um ano, no fatídico 08 de janeiro, brasileiros impulsionados pelo ódio da polarização destruíram as sedes dos Poderes, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF) – ato de vandalismo sem precedentes na história do País. A falta de entendimento sobre o real significado institucional dos Três Poderes para a vida prática das pessoas, para a garantia de direitos e para a preservação da democracia instigou dezenas de brasileiros a promoverem aquela barbárie.
Ainda hoje uma parcela da sociedade defende o fechamento do STF e ataca magistrados. O desafio, portanto, é enorme. Promover a compreensão da importância do Poder Judiciário que, inclusive, garante a livre a manifestação de opinião e pensamento, passa por aproximar mais e mais este Poder da sociedade. E a linguagem correta e acessível é o meio para este convívio.
No livro “Muito além do Media Training, o porta-voz na era da hiperconexão”, de minha autoria e de Miriam Moura, trazemos à reflexão a necessidade da prática do contraditório, entre outros temas. Em um País que sofre com os efeitos das fake news e da desinformação que alimentam a polarização exacerbada, é importante lembrar a lição do sociólogo Dominique Wolton. No livro, Wolton afirma que o diálogo existe para unir contrários e ensina que comunicar é negociar para encontrar terrenos comuns. “Sem isso, chega-se ao fracasso, silêncio, morte. Essa importância da negociação na comunicação explica porque ela realmente só é possível nas democracias, onde há liberdade e igualdade dos protagonistas”, diz.
No direito, o contraditório e a ampla defesa são princípios jurídicos que melhor representam a estruturação democrática. Sem uma linguagem compreensível, no entanto, nada disso é percebido. Fica fácil cair na cilada de que o Judiciário é dispensável, confundindo-se antipatia pessoal em relação a alguns magistrados com a desimportância da instituição.
Em dezembro, o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barros, anunciou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, com estratégias e metas delineadas em cinco eixos principais.
Barroso destacou a necessidade urgente de superar a barreira da incompreensão que frequentemente separa o Judiciário da sociedade. O uso excessivo de termos técnicos e uma linguagem hermética têm contribuído para a desconexão entre as decisões judiciais e o entendimento do cidadão comum. A linguagem codificada acaba sendo um instrumento de poder, excluindo aqueles que não possuem conhecimento jurídico.
Desmistificar a linguagem do Judiciário é uma luta de muitos anos. Se por um lado, o uso de termos sofisticados, por assim dizer, demonstram erudição. Por outro, a depender do caso, dificultam a compreensão de quem precisa ter o pleno entendimento da decisão judicial para exercer os seus direitos. Invalida, portanto, a comunicação clara e efetiva e, em última análise, o exercício da cidadania.
Em 2005, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) lançou um glossário com termos pouco usuais no dia a dia do brasileiro e que dificultavam muito a compreensão das decisões judiciais. Tal medida foi um alerta aos operadores do Direito, a começar pelos estudantes, e um chamamento para simplificação da linguagem. Na época, a Oficina Consultoria teve a oportunidade de atuar na luta contra o “juridiquês” ao promover a Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica.
Na ocasião, demonstramos a necessidade de desconstruir a linguagem técnica por meio de exemplos práticos. Termos como “apelo extremo” como sinônimo de “recurso extraordinário”, ou “remédio heroico” no lugar de “mandado de segurança” foram expostos para demonstrar a diferença entre uma forma hermética e uma comunicação mais usual e compreensível ao cidadão.
Agora, quase duas décadas depois, o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, reforça o compromisso contínuo com a promoção da igualdade de acesso à informação, o fortalecimento da democracia e a construção de um Judiciário mais transparente e inclusivo. Com a ação do CNJ, sentimos que lá atrás, plantamos a semente para ajudar na evolução do sistema jurídico brasileiro em direção a uma comunicação mais acessível e transparente.