Segurança jurídica para acordos de sustentabilidade ambiental: mais uma proposta

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A Comissão de Concorrência da ICC Brasil lançou recentemente um importante documento sobre implementação de acordos de sustentabilidade ambiental no Brasil propondo medidas que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode adotar para assegurar que a Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) não seja percebida como um empecilho para ações conjuntas necessárias à proteção do meio ambiente e ao combate às mudanças climáticas que envolvam cooperações entre empresas, inclusive concorrentes.

Como o Cade tem a função de investigar e punir condutas que possam “limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência” e considerando que há uma zona cinzenta considerável em relação à definição de quais condutas colaborativas empresariais podem ser consideradas ilícitas, a ICC Brasil fez a proposta visando a garantir segurança jurídica para aquelas empresas que querem atingir metas de sustentabilidade ambiental mais ambiciosas, entendem que colaborações são indispensáveis, mas não querem que suas ações conjuntas sejam questionadas pelo Cade.

A proposta da ICC Brasil ao Cade está inserida em um contexto em que as autoridades de defesa da concorrência da União Europeia e de mais pelo menos sete países (Áustria, Holanda, Reino Unido, Japão, Nova Zelândia, Singapura e Portugal) já lançaram guias orientativos[1] que ajudam as empresas a avaliar a compatibilidade dos seus projetos de cooperação relacionados à sustentabilidade ambiental com as legislações de defesa da concorrência, que estabelecem proibições e sanções para acordos entre concorrentes que afetam parâmetros de competição, como preço, quantidade, qualidade, escolha ou inovação.

O documento da ICC Brasil trata de exemplos hipotéticos de acordos de sustentabilidade ambiental que podem suscitar algumas dúvidas quanto à compatibilidade com a Lei de Defesa da Concorrência, para pedir que o Cade elabore um guia com as condições e os limites para acordos lícitos que afetam de alguma forma a concorrência.

Assim, parece interessante registrar neste artigo, também para fomentar o debate, um compilado de dez exemplos de acordos de sustentabilidade ambiental que não infringem as leis de defesa da concorrência porque se considera que eles não afetam os referidos parâmetros de competição.

Confira a lista a seguir, feita a partir de exemplos retirados dos documentos das autoridades que já lançaram os seus guias até maio de 2024:

acordo para influenciar a conduta corporativa interna, sem restringir as decisões estratégicas das empresas, como, por exemplo, eliminar o uso de plástico de uso único, moderar/diminuir o uso de ar-condicionado nos escritórios ou limitar o número de materiais impressos pelas empresas. Essas mudanças de política interna podem ser o resultado de discussões em um fórum comum, como uma associação de classe, refletir diretrizes para toda a indústria e, mesmo assim, não afetar os parâmetros de competição;
acordo para arrecadar fundos e expertise de forma conjunta para desenvolvimento de atividades para cada empresa mitigar, adaptar ou compensar os efeitos das emissões de gases de efeito estufa geradas na produção;
acordo para o desenvolvimento de atividades de treinamento para pessoas que trabalham na indústria para atingimento de metas de sustentabilidade ambiental;
acordo para executar uma campanha conjunta para aumentar a conscientização sobre questões de sustentabilidade ambiental dentro de uma indústria ou entre os clientes, desde que a campanha não seja uma venda ou publicidade conjunta de produtos específicos;
acordo para estabelecer metas de sustentabilidade ambiental para toda a indústria, sem mecanismos de punição ou exclusão de concorrentes em casos de não cumprimento das metas;
acordo para campanha de conscientização sobre o impacto ambiental ou outras externalidades negativas dos hábitos de consumo;
acordo para garantir a conformidade com requisitos ou proibições já definidos em tratados ou convenções internacionais que tratem de sustentabilidade ambiental, mesmo que tais instrumentos ainda não estejam em vigor no Brasil (porque ainda não passaram pelo processo de internalização);
acordos para criar um banco de dados contendo informações sobre fornecedores ou distribuidores ecologicamente sustentáveis, sem exigir que as partes necessariamente comprem ou vendam para eles;
acordo para estabelecimento de critérios para concessão de um rótulo verde para determinado bem agrícola, sendo que os comerciantes compradores de tais produtos permanecem livres para negociar os produtos sob outros rótulos ou sem rótulos, a participação é voluntária e não exclusiva, não há troca de informações sensíveis (por exemplo, preços, volumes de produção, margens, etc.) e não há definição de sobretaxas ou preços mínimos obrigatórios; e
acordos para desenvolver padrões de sustentabilidade ambiental para a indústria em sua totalidade, visando a tornar produtos ecologicamente mais sustentáveis.

No caso de criação de padrões de sustentabilidade ambiental envolvendo empresas e associações de classe, vale registrar, também, os seguintes cinco cuidados incluídos no documento da CMA, a autoridade de defesa da concorrência do Reino Unido, que poderiam constar também de um guia do Cade para gerar mais segurança jurídica para as empresas que atuam no Brasil e querem avançar na pauta ESG observando e incentivando a criação de padrões de sustentabilidade ambiental:

o processo para desenvolver o padrão de sustentabilidade deve ser transparente e deve ser possível para qualquer empresa atuante nos mercados afetados pelo padrão participar do desenvolvimento desse padrão;
nenhuma empresa deve ser obrigada a implementar o padrão se não desejar fazê-lo (embora o padrão possa exigir que a empresa que se comprometer a implementá-lo cumpra o requisito do padrão e possa fornecer um mecanismo para monitorar tal conformidade);
qualquer empresa deve poder implementar o padrão em termos razoáveis e não discriminatórios. Isso inclui permitir acesso efetivo e não discriminatório aos requisitos e às condições para usar o rótulo acordado (ou logotipo ou nome de marca) para o padrão, e permitir que empresas que não participaram do processo de seu desenvolvimento implementem o padrão em um estágio posterior;
as empresas que implementam o padrão devem ser livres para ir além dos requisitos mínimos de sustentabilidade ambiental por ele estabelecidos, ou para desenvolver ou implementar padrões mais altos adicionais (ou, se aplicável, desenvolver outros alternativos para quaisquer produtos concorrentes que vendem fora do padrão;
o padrão não deve resultar em uma redução significativa na disponibilidade de produtos adequados para os consumidores, na medida em que:

as empresas participantes sejam livres para vender produtos concorrentes alternativos fora do padrão no(s) mercado(s) relevante(s) afetado(s) pelo padrão e permaneçam livres para determinar de forma independente a quais de seus produtos o padrão se aplicará ou;
a participação de mercado combinada das empresas participantes seja suficientemente pequena (por exemplo, abaixo de 20% em qualquer mercado relevante afetado pelo padrão) para permitir uma escolha alternativa suficiente para os consumidores.

O diálogo com o Cade sobre este tema dos acordos de sustentabilidade ambiental é bastante relevante para as empresas com atuação no Brasil e parece fazer sentido que um guia orientativo do Cade também inclua os exemplos de acordos que claramente não devem ter a sua compatibilidade com a Lei de Defesa da Concorrência questionada, como os que foram tratados neste artigo. Trata-se de mais uma proposta que tem por objetivo gerar mais segurança jurídica para os administrados!

[1] As autoridades de defesa da concorrência da Grécia e da França também desenvolveram canais de consulta informal para empresas interessadas em acordos de sustentabilidade ambiental, mas não lançaram guias específicos, em razão de terem o guia da Comissão Europeia como instrumento válido para orientar as empresas de tais países europeus.