Segurança jurídica e investimentos estrangeiros no Brasil

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É indiscutível que os investimentos estrangeiros são fundamentais para o crescimento do Brasil. Em um mercado internacional cada vez mais competitivo, as nossas instituições públicas precisam continuar trabalhando para atrair e reter o capital estrangeiro no país. Esse esforço não é restrito à implementação de medidas de cunho econômico pelo governo. A administração pública deve assegurar um ambiente de segurança jurídica aos nossos parceiros externos, sob pena de afugentar o aporte de recursos no Brasil. Isso se aplica às transações que envolvem o controle por estrangeiros de sociedades brasileiras proprietárias ou arrendatárias de áreas rurais.

A partir de 2010 a Advocacia-Geral da União (AGU) passou a interpretar a Lei 5.709/1971, publicada sob o regime militar e sob o mote da ameaça dos estrangeiros à soberania nacional, no sentido de que sociedades brasileiras controladas, direta ou indiretamente, por estrangeiros deveriam ser equiparadas a sociedades estrangeiras para fins da aplicação das restrições à aquisição de imóveis rurais previstas na referida lei.

O tema divide opiniões e está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), em que já existem votos divergentes do ex-ministro Marco Aurélio e do ministro Alexandre de Moraes. Para este último, o nosso sistema jurídico não admite a diferenciação de tratamento de empresas brasileiras com base na nacionalidade do capital.

Enquanto a questão não é apreciada em definitivo pelo plenário do STF, a Administração Pública deve tratar o assunto sob estrita legalidade, sem margem para interpretações restritivas, sob pena de criar óbices ao estrangeiro que deseja investir de boa-fé em sociedades nacionais titulares de terras rurais.

Esse é o sentido da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), segundo a qual a Administração Pública deve interpretar as normas que regem o tema “sempre em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade” (art. 1º, §2º), intervindo no “exercício de atividades econômicas de forma subsidiária e excepcional” (art. 2º, III).

Não nos parece razoável, por exemplo, que se pretenda restringir o ingresso de capital estrangeiro em sociedades operacionais proprietárias de terras rurais. Muito menos que sejam fulminadas com o vício da nulidade todas as (inúmeras) transações desta natureza realizadas nos últimos anos. Os efeitos seriam nefastos ao mercado brasileiro, levando todos os interessados ao status quo ante, o que, especialmente em operações societárias, se mostra ainda mais temerário. 

Não é esse o espírito da nossa Constituição Federal, tampouco da legislação que rege o tema. É certo que o art. 20 do Decreto 74.965/1974, que regulamenta a Lei 5.709/1971, estabelece que operações societárias envolvendo a aquisição de sociedades titulares de imóveis rurais estão também sujeitas às restrições. Ocorre que o referido Decreto extrapolou a sua natureza regulamentar, inovando naquilo que não poderia inovar e criou restrição específica que não decorre de lei. Isso porque a Lei 5.709/1971 trata apenas de transações imobiliárias, de venda e compra direta de imóveis rurais, por exemplo. O Decreto não poderia alcançar operações societárias que a lei não quis alcançar.

Ainda que assim não o fosse, não haveria sentido socioeconômico na aplicação das restrições a transações societárias envolvendo, por exemplo, empresas que exploram complexos industriais, em sentido amplo. Nessas operações, os imóveis servem para a produção de matérias primas que suprirão a indústria.

O valor está na operação empresarial como um todo, que envolve estruturas administrativas, de processamento e logística, inteligência de mercado, autorizações e licenças, além de outros ativos. Deveria haver, pelo menos, espaço para composição entre a Administração e os investidores, com a eventual assunção de compromisso de adequação da estrutura de uso das terras à legislação para que a operação seja preservada.   

Não estamos, com isso, querendo dizer que o Estado não deva ter mecanismos de acompanhamento dos investimentos em terras. Mas esse acompanhamento deve estar alinhado com o ideal maior de atração de investimentos externos, o que depende da manutenção de um ambiente de negócios seguro aos nossos investidores. Também não há que se falar em qualquer tipo de favorecimento ao estrangeiro que queira fazer negócios no país, que estará sujeito às mesmas regras tributárias, trabalhistas, ambientais, sanitárias etc. aplicáveis às sociedades operacionais proprietárias de terras controladas por brasileiros. 

O que preocupa é a possibilidade de passarmos a ser vistos como um país que não tem apreço pelos investimentos estrangeiros. Para quem anseia por um processo mais célere e consistente de construção da preeminência do Brasil no mercado internacional – inclusive com melhoramentos dos índices socioeconômicos –, esse é um risco que não se pode correr. Por isso a relevância de que nossas instituições prezem pela segurança jurídica na aplicação das normas relativas ao capital estrangeiros e terras no Brasil.