Segurança e um projeto de política pública criminal

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Temos repetido que o país não tem um projeto idôneo de política pública criminal, o que impacta diretamente a segurança pública. A imprensa está repleta de imagens fortes e de notícias chocantes sobre o combate ao crime. As cenas são de guerra, mas a verdade é que, enquanto país, não sabemos o que fazer.

Propostas legislativas que pretendem aumentar ainda mais as penas previstas na nossa legislação penal não faltam. Esse é sempre o caminho mais fácil para tentar fugir da inércia. No entanto, a efetividade é tendente a zero; aliás, desde a década de 1990 aplicamos essa mesma receita e quem agradece é o crime organizado. 

Projetos de lei para aumentar as penas dos crimes em vigor e decretos de Garantia e da Lei e da Ordem (GLO) não enfrentam essa realidade. É triste constatar isso, mas parece que jogamos a toalha. As autoridades não sabem o que fazer. 

Ao contrário de aumentar as penas dos crimes já previstos no nosso sistema, precisamos melhorar a incidência penal. Vale dizer, precisamos de um sistema mais racional, menos bruto e muito mais funcional e eficaz, algo que pode ser feito com instrumentos jurídicos que já existem e estão na ordem do dia. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm tentando enfrentar esse desafio, mas enquanto Cortes integrantes do Poder Judiciário, têm limitadas possibilidades, na medida em que decidem a partir de casos concretos que lhes são submetidos. 

Quando o STJ enfrentou a problemática a respeito dos reconhecimentos – procedimento pelo qual a vítima reconhece ou não o criminoso, levando a muitas condenações erradas –, foi a partir de um caso concreto. Foi também o que ocorreu quando o mesmo tribunal elevou o standard para o ingresso policial forçado em domicílio alheio, sem mandado judicial. 

O STF, por sua vez, enfrentou o delicado tema das mulheres presas, da qualidade das nossas unidades prisionais, está debruçado sobre o tema das drogas e não se cansa, conforme ADPF 347 de outubro de 2023, de determinar que juízes e tribunais “fundamentem a não aplicação de medidas cautelares e penas alternativas à prisão, sempre que possíveis, tendo em conta o quadro dramático do sistema carcerário”.

Ou seja, o Judiciário tem buscado injetar maior racionalidade no sistema penal e, por conseguinte, pode contribuir com melhoraria da segurança pública. Mas o fato é que os Poderes Legislativo e Executivo têm significativamente mais meios e espaço para trabalharem nesse sentido. No entanto, nós não vemos essa aptidão ser utilizada com o devido empenho.

Pelo contrário. Depois de décadas aplicando as mesmas respostas aos mesmos problemas, podemos perceber que algo novo precisa ser feito, a iniciar pela constatação de que o sistema penal e a segurança pública devem estar inseridos em um projeto idôneo de política pública, assim como se exige das políticas econômica, educacional, habitacional, e assim por diante. 

Precisamos sair desse lugar comum no qual nos encontramos e procurar alternativas às medidas frequentemente aplicadas e que já se provaram ineficazes. Precisamos de análises de dados e de ações públicas condizentes. E isso, tanto o Executivo quanto o Legislativo têm as prerrogativas e as ferramentas para fazer. É hora das lideranças nesses Poderes demonstrarem vontade política e se dedicarem a elaborar políticas públicas criminais que verdadeiramente tragam paz e segurança para a população.