O Brasil costuma avançar na área da saúde a partir de crises. Foi assim com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), nos anos 1980, e, mais recentemente, com a pandemia de Covid-19, que acelerou investimentos emergenciais em vacinas, equipamentos e leitos hospitalares.
No entanto, depender de soluções pontuais não é suficiente para sustentar um sistema que precisa ser estruturado, eficaz e capaz de enfrentar desafios contínuos. A saúde deve ser tratada como uma verdadeira política de Estado, com uma agenda permanente e de longo prazo, baseada em previsibilidade, integração e inovação. Já esquecemos a falta de oxigênio, vacinas, máscaras e camas.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor
Nesse contexto, a indústria brasileira de dispositivos médicos deve ocupar papel central. Apesar de contarmos com um parque industrial relevante e reconhecido, o país ainda depende fortemente da importação de equipamentos. Em 2024, o setor importou cerca de US$ 9,79 bilhões, enquanto exportou aproximadamente US$ 1,17 bilhão, resultando em um déficit de US$ 8,62 bilhões.
Mais da metade do volume importado corresponde a produtos para diagnóstico, e cerca de 39% a dispositivos médicos. Essa dependência compromete a autonomia sanitária e dificulta o planejamento de políticas sustentáveis de médio e longo prazo, principalmente em um mundo complexo politicamente.
A experiência recente da pandemia mostrou que, quando há previsibilidade, a indústria responde. O modelo de transferência de tecnologia adotado para a produção de vacinas com Fiocruz e Butantan, possibilitou não apenas autossuficiência, mas também avanços em pesquisa e inovação. Essa lógica pode, e deve, ser replicada para dispositivos médicos, estimulando a produção nacional de materiais hospitalares, equipamentos de diagnóstico, próteses e tecnologias digitais aplicadas à saúde.
Para viabilizar esse avanço, quatro pilares são fundamentais: previsibilidade regulatória, segurança jurídica, investimento em inovação e políticas de compras no setor público. Hoje, entraves como a burocracia excessiva nos processos de registro, a ausência de regras claras nas compras governamentais e a instabilidade de políticas públicas reduzem a competitividade da indústria nacional e dificultam a atração de investimentos de longo prazo.
A pandemia escancarou as consequências dessa fragilidade: países que apoiaram sua indústria reagiram com mais rapidez e soberania; os demais enfrentaram escassez e dependência de fornecedores externos. O Brasil não pode repetir esse erro. Consolidar a saúde como política de Estado significa proteger vidas, preservar a economia e garantir soberania sanitária.
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É nesse sentido que a campanha Saúde Feita no Brasil ganha relevância: mais do que uma bandeira setorial, ela simboliza a urgência de consolidar a indústria de dispositivos médicos como um pilar estratégico do sistema de saúde. Valorizar a produção nacional é assegurar empregos, inovação tecnológica e, sobretudo, a capacidade de o país se preparar para o futuro.
Transformar a saúde em política de Estado não é um slogan nem uma resposta imediata a crises. É uma estratégia de longo prazo, que exige integração entre governo, sistema de saúde, indústria e sociedade em torno de um objetivo comum: garantir que, em qualquer cenário, o Brasil tenha condições de cuidar de sua população com qualidade, inovação e independência.