Saneamento ligando as turbinas para 2024

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O mercado de saneamento básico no Brasil passou nos últimos anos por um período de intensa atividade com a realização de diversos projetos de grande porte, envolvendo a participação privada na prestação dos serviços. Não é sem razão a afirmação de que o ciclo iniciado ainda em 2020 com a licitação para concessão dos serviços na Região Metropolitana de Maceió (o denominado “bloco A” em Alagoas) foi encerrado no fim de 2022, com o leilão para a alienação do controle da CORSAN, a companhia estadual de saneamento do Rio Grande do Sul.
Em 2023, porém – à exceção da contratação de parceria público-privada para a delegação dos serviços de esgotamento sanitário em 16 cidades da Região Metropolitana de Curitiba e Litoral do Paraná) – o ritmo dos projetos diminuiu. Houve uma predominância de iniciativas de menor escala, promovidas por municípios isolados – isto é, que não aderiram às estruturas de prestação regionalizada conforme o Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Tais projetos, além de não terem mantido o dinamismo dos certames anteriores, ainda eventualmente precisarão lidar com marca restrição ao acesso a financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da administração pública federal, em função das regras contidas no artigo 50 da Lei 11.445/2007 e as regras de transição previstas hoje no artigo 15 do Decreto 11.599/2023.

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Para 2024, espera-se uma retomada do dinamismo do mercado, com o início de um novo ciclo de projetos de grande porte, tanto na modalidade de concessões plenas ou parcerias público-privadas (PPPs), quanto por meio da alienação de controle societário de companhias estaduais de saneamento. Entre os primeiros, destacam-se os projetos em desenvolvimento pelo BNDES, dentre os quais estão os de Porto Alegre (previsto pelo BNDES para o primeiro trimestre de 2024), e para a prestação regionalizada nos estados de Sergipe (previsto para o segundo trimestre de 2024), Paraíba, Rondônia (ambos previstos para o terceiro trimestre) e Pernambuco (quarto trimestre). Além disso, há a expectativa do avanço de projetos de privatização de importantes companhias estaduais, como a SABESP – cujo projeto de lei autorizativo inclusive já tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo e que tem audiência pública agendada para 06/11/2023 – e a COPASA, que contará com modelagem também do BNDES, mas cujo processo não está em estágio tão avançado. Ainda, espera-se uma menor participação de municípios isolados em 2024 pelo fato de ser ano eleitoral para esses entes federados, o que tende a desviar o foco dos atuais gestores para as campanhas de reeleição ou sucessão, deixando novos projetos de lado.

Para que esse novo ciclo se concretize, é fundamental que haja segurança jurídica para os agentes envolvidos. O ano de 2023 foi marcado por uma série de alterações controversas na regulamentação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, que geraram insegurança e instabilidade no setor.

Desde a fase de transição no governo federal, ainda em fins de 2022, havia uma crescente insegurança a respeito de medidas que poderiam ser adotadas pelo governo federal em contrariedade aos pilares da Lei 14.026/2020, o que foi se concretizar com os Decretos 11.466 e 11.467, de abril de 2023. Esses Decretos revogaram os Decretos 10.588/2020 e 10.710/2021, que regulamentavam aspectos importantes do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, como os critérios para a comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores e as regras para a extinção dos contratos de programa. Depois, em julho, esses mesmos Decretos foram revogados pelos Decretos 11.598 e 11.599, que restabeleceram parte da regulamentação anterior. Um dos pontos mais polêmicos dos Decretos de abril de 2023 (art. 6º, §16, do Decreto 11.467/2023) dizia respeito à possibilidade de se considerar “equiparada” à prestação direta pelo município titular o caso de prestação, por empresa estatal estadual, em município integrante, em conjunto com o respectivo Estado controlado da estatal, de estrutura de prestação regionalizada. Tal estrutura, apesar de ter sido revogada pelo Decreto 11.599, está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7335, que contesta dispositivos da lei paraibana que preveem a prestação direta de serviços de saneamento básico pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), uma sociedade de economia mista, em microrregiões do estado.

Além disso, há notícias de outras tentativas de Estados de circunvir as regras do Novo Marco Legal do Saneamento Básico referentes à realização obrigatória de licitação para a prestação dos serviços exceto exclusivamente quando se tratar de prestação direta pelo próprio titular dos serviços.

Diante desse cenário, é essencial que a mensagem de estabilidade regulatória e institucional seja mantida. Quanto à primeira, destaca-se que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) tem cumprido seu papel e avançado na elaboração de normas de referência para o setor, com destaque para a recente norma sobre o cálculo da indenização da parcela não amortizada ou depreciada dos investimentos vinculados a bens reversíveis. Quanto à segunda, é necessário que o poder público dos diversos níveis federativos busque garantir a implementação efetiva do Novo Marco Legal do Saneamento Básico em todos os seus aspectos, tendo em vista que seu objetivo final é universalizar o acesso aos serviços e melhorar a qualidade e a eficiência da sua prestação. Somente assim será possível aproveitar as oportunidades que se abrem para o desenvolvimento do setor e para a melhoria das condições de vida da população brasileira.