Dada a eficácia das medidas que restringem as propagandas e promoções de produtos de tabaco nos meios de comunicação tradicionais brasileiros, como televisão e rádio, uma das estratégias mais consistentemente utilizadas pelas empresas de tabaco para manter seus produtos atraentes e relevantes (especialmente para jovens e pessoas que não fumam) tem sido o uso de aditivos de sabores nos cigarros.
Documentos da indústria do tabaco mostram que, pelo menos desde a década de 1970, o uso de aditivos como sabores e aromas é considerado uma tática para atrair consumidores “jovens” ou “inexperientes”, aqueles que “seguem as últimas tendências e modismos”, e que não são atraídos pelo cheiro ou sabor do tabaco.[1]
Naquela época e agora, o principal objetivo sempre foi o de mascarar o sabor potencialmente desagradável do tabaco e tornar os cigarros mais palatáveis e atrativos para consumir. Além disso, a utilização de aditivos facilita a iniciação do tabagismo, faz aumentar o desejo pelo produto e torna mais difícil abandonar esses produtos viciantes e mortais.
Hoje, há uma proliferação de variedades de sabores que vai desde os tipos comuns e mais conhecidos, como frutas ou menta, até novos sabores “conceituais” exclusivos e cápsulas de sabores interativas que são comercializadas como algo que oferece uma experiência “personalizada”. Esse cenário amplia tanto o alcance do tabaco quanto os riscos associados a ele.[2]
Além de facilitar a iniciação, estes aditivos também são apresentados com destaque em estratégias de marketing destinadas a atrair públicos mais jovens, como mostra uma extensa pesquisa mundial conduzida pelo Instituto Global para o Controle do Tabaco, da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health.[3]
Em países que não exigem embalagens padronizadas nem proíbem os sabores/aditivos, por exemplo, é comum encontrar maços de cigarros com sabores populares, nomes cativantes, cores vivas e palavras que atiçam os sentidos e apelam para as sensações e experiências que os produtos afirmam proporcionar quanto ao seu sabor. Em estudos de grupos focais realizados com jovens, os participantes compartilharam que estes produtos e as suas embalagens são eficazes para chamar a sua atenção e distraí-los das advertências sanitárias exigidas nas embalagens dos produtos.[4]
Em 2012, por meio de uma resolução da Anvisa[5], o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a introduzir uma proibição abrangente de aditivos para todos os produtos de tabaco, incluindo dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs)[6]. No entanto, mais de dez anos depois, esta importante política – crucial para diminuir o apelo do produto e quão palatável ele é – ainda não foi implementada devido a vários processos judiciais orquestrados pela indústria do tabaco. E como todas as decisões que esta indústria toma – desde o desenvolvimento de produtos[7] e a forma como eles são promovidos e colocados nas lojas[8] até a maneira como a indústria desafia as políticas de saúde pública baseadas em evidências científicas – o seu objetivo final permanece o mesmo: manter e aumentar a sua base de consumidores.
Em breve, espera-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) se pronuncie novamente sobre este caso, após uma decisão não vinculativa de 2018 a favor da resolução da Anvisa e da autoridade do órgão para implementar tal política e a continuidade dos processos. Hoje, o contexto é ainda mais relevante. Para começar, há um interesse crescente da indústria do tabaco em promover os DEFs, uma vez que a comercialização desses produtos é atualmente proibida no Brasil. Depois, há o apelo consistente e crescente que os DEFs têm entre os jovens, impulsionado em grande parte pelo seu design moderno e elegante.
Os aditivos também desempenham um papel estratégico na crescente popularidade dos DEFs, como demonstrado pela variedade de sabores e aromas que deixam as embalagens mais atrativas, chamando a atenção do público e facilitando o aumento no uso desses produtos.
Décadas de experiência e evidências científicas mostram que países de todo o mundo têm conseguido combater o marketing predatório das empresas de tabaco ao proibir e retirar do mercado os produtos de tabaco com sabores. A proibição de aditivos em produtos de tabaco também é uma medida central para a implementação dos artigos 9 e 10 da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS (CQCT), ratificada pelo Brasil, que diz que “as partes devem regulamentar, proibir ou restringir ingredientes que possam ser usados para melhorar a palatabilidade dos produtos do tabaco”. [9]
O Brasil demonstra liderança mundial exemplar na luta contra o tabagismo e pode ir além ao finalmente implementar, de uma vez por todas, a regulamentação que proíbe os aditivos nos cigarros. Ao fazê-lo, protegeremos as gerações mais jovens da epidemia do tabaco e continuaremos a dar prioridade aos interesses de saúde dos cidadãos brasileiros em detrimento dos interesses financeiros da indústria do tabaco.
[1] Memorandum published in 1984 by Brown & Williamson Tobacco Corporation: link to access.
[2] The Flavor Train: The Nature and Extent of Flavored Cigarettes in Low- and Middle-Income Countries: link to access.
[3] Tactics used by Big Tobacco to attract children at tobacco points-of-sale: link to access.
[4] Shared perceptions of flavored cigarette pack design among young adults who smoke in Mexico and the Philippines: link to access.
[5] Text of Collegiate Board Resolution – RDC No. 14, of March 15, 2012: link to access.
[6]Low-income and middle-income countries leading the way with tobacco control policies https://innovations.bmj.com/content/8/1/4
[7] Flavor Under Fire: Chemical Analysis of Cigarettes Sold in Three Countries: link to access.
[8] Spinning a Global Web: The Tobacco Industry’s Pursuit of Minors: link to access.
[9] Partial guidelines for implementation of Articles 9 and 10 – World Health Organization: link to access.