Trump 2: A Missão. Poderia ser um título de sequência de filme trash. Porém, é como a possiblidade de um segundo mandato para o presidente americano entre 2017 e 2021 ressoa nas mentes dos simpáticos e apoiadores viscerais da extrema direita. Mesmo após uma clara tentativa de golpe em 6 de janeiro de 2021 e várias pendências na Justiça, Donald J. Trump segue percebido como alguém que luta contra o sistema e, portanto, merece um cheque a ser preenchido para voltar à Casa Branca.
Trump 2: A Ameaça Fatal. Talvez seja o título mais apropriado para a tragédia que estará em cartaz a partir de 20 de janeiro de 2025 caso Joe Biden ou qualquer outro democrata não derrote nas urnas aquele que parte da mídia profissional corretamente rotula como um ditador em potencial. De fato, Trump indica desde já que ele não hesitará em usar dos poderes presidenciais americanos para se vingar daqueles que teriam fraudado — segundo a narrativa do fascismo à americana — as eleições de 2020, na qual ele buscou uma reeleição imediata.
Com a desistência no último fim de semana de Ron DeSantis, governador da Flórida, de disputar as primárias do Partido Republicano, Trump está próximo de ser coroado candidato pela agremiação política que se afastou da centro-direita clássica, concentrando hoje defensores abertos do nacionalismo branco, políticas anti-imigração, protecionismo comercial, subsídios aos mais ricos e isolacionismo em política externa.
A única opositora de peso que prevalece na disputa republicana é Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul, de ascendência indiana e que, muito embora seja apoiada por segmentos conservadores com força econômica, não tem sido capaz de arregimentar as massas que projetam em Trump a raiva reacionária contra os frutos da globalização — talvez o auge dos valores liberais na história mundial.
Se do outro lado do Atlântico Norte as eleições para o Parlamento Europeu, em junho, fortalecerem partidos que apoiam o combo trumpista, a democracia liberal chegará a novembro já na UTI. Assim, o pleito nos EUA pode ser o xeque-mate no regime político que virou modelo para o mundo no pós-Segunda Guerra Mundial.
Nesse meio tempo, se as eleições gerais no Reino Unido — previstas para no máximo janeiro de 2025 — já tiverem ocorrido e os conservadores forem defenestrados do poder com uma derrota histórica tal como indicam as pesquisas, nem tudo estará perdido para os que ainda veem viabilidade no longo prazo para o regime que combina mercados que favorecem a livre iniciativa e o respeito às liberdades de minorias político-sociais.
No Sul Global, a maior democracia do mundo — a Índia — está em franco declínio com a ascensão do majoritarismo hindu contra minorias religiosas — em particular muçulmanos —, que deve se manter no poder com a muito provável conquista de um terceiro mandato consecutivo do primeiro-ministro Narendra Modi em maio. Déli nunca foi um exemplo de liberalismo econômico, mas desde o fim do colonialismo britânico até a ascensão do nacionalismo hindu em 2014, sempre tinha sido um baluarte dos valores liberais de liberdade de expressão e imprensa livre.
A América Latina vive desde sempre sob o espectro do populismo, aqui entendido como uma fase necessária no desenvolvimento político dos países para a consolidação da identidade nacional e incorporações das massas ao sufrágio universal. Quando a lógica populista, porém, serve para excluir do jogo político-social segmentos da população com base em fatores identitários, os partidos à direita caminham rumam ao fascismo. Quando à esquerda os políticos perpetuam ações estatais que enfrentam a pobreza enxugando o gelo, sem empoderar os indivíduos com capital humano, há a tentação autoritária exemplificada pelo chavismo venezuelano.
O cerco à democracia liberal completa-se pelos seus opositores de sempre — ou seja, os regimes autocráticos do Sul Global que até podem entregar bem-estar econômico, mas oprimem os direitos individuais. China e Rússia também integram esse clube.
As eleições municipais no Brasil não fugirão do embate descrito acima. O eleitor até pode votar levando em conta questões locais, mas a oposição entre forças de centro e esquerda minimamente comprometidas com a atual configuração constitucional e uma direita com pretensões revolucionárias — emulando as tendências extremistas do Norte Global — tende a prevalecer por ora.
Aliás, as eleições de 2026 no Brasil não devem reeditar os EUA deste ano apenas porque Jair Bolsonaro, vulgo “o Trump dos trópicos”, está inelegível. Daqui a dois anos, Lula será nosso Biden ou será que novas lideranças surgirão para nos livrar do mal do século 21 — a descrença nos valores que, não obstante todas suas contradições, livraram os indivíduos da tirania do Estado e da religião nos últimos 200 anos?