Responsabilidade tributária das plataformas digitais na Lei Geral do IBS e da CBS

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O fenômeno da digitalização da economia, acelerado pela pandemia da Covid-19, conferiu às grandes plataformas digitais um papel central no capitalismo moderno, a ponto de alguns já se referirem a uma nova etapa do desenvolvimento econômico, denominada de capitalismo de plataformas[1].

No modelo anterior de pipeline business, típico do capitalismo industrial, cada setor organizava-se sob cadeias produtivas lineares, cujos elos tradicionais eram o produtor, o atacadista e o varejista. Já no modelo de platform business, a despeito da manutenção dos agentes das cadeias produtivas existentes, surge um novo elo central a essas estruturas empresariais: a grande plataforma digital.

Nesse novo modelo, característico do capitalismo de plataformas, as grandes plataformas digitais assumem posição privilegiada em termos de processamento de dados e retenção de lucros. Ao controlar o cruzamento da oferta e da demanda de diversos agentes econômicos, assim como exercer a governança sobre as suas operações em seus ecossistemas digitais, essas grandes plataformas se tornam verdadeiros “orquestradores” da atividade econômica em cada cadeia produtiva. Isso se traduz na onisciência sobre os dados transitados e na enorme concentração de poderes, figurando, ao mesmo tempo, como administrador de fluxos, legislador de regras e juiz de condutas em seus domínios.

Em dimensão jurídica, as plataformas de comércio podem ser definidas como infraestruturas digitais constituídas sob a forma de pessoas jurídicas que têm como objeto principal a intermediação, em sentido amplo, da produção e comercialização de bens e serviços, inclusive financeiros. Estas plataformas podem ser classificadas como: (i) transacionais; ou (ii) não transacionais.

Plataformas não transacionais são aquelas que simplesmente aproximam fornecedores e adquirentes (e.g. serviços de busca de fornecedores, comparação de preços, simples classificados ou ainda publicidade), mas não detêm qualquer controle sobre as operações concluídas pelas partes totalmente fora do seu ambiente digital – isto é, sem que haja qualquer participação da plataforma sobre as receitas ou lucros auferidos nessas transações.

Plataformas transacionais, a seu turno, são aquelas que, além de aproximar fornecedores e adquirentes, controlam um ou mais aspectos relevantes atinentes às operações concluídas dentro do seu ambiente digital, tais como: (i) o preço final; (ii) a forma e condições de pagamento (mesmo que a cobrança ou liquidação financeira sejam efetuados por terceiros); ou (ii) os termos e condições de transporte (mesmo que a entrega seja realiza por terceiros). Nesse último caso, a plataforma tem controle direto sobre a realização das operações e pode, por meio de seus termos de uso e regras de governança, impor condicionalidades e outros requisitos, inclusive de conformidade tributária.

Nesse contexto, andou bem o PLP da Lei Geral do IBS e da CBS ao prever, no art. 23, a atribuição de responsabilidade tributária às plataformas digitais. De acordo com a proposta, a responsabilidade será atribuída às plataformas transacionais: (i) por substituição, quando o fornecedor estiver situado do exterior; ou (ii) solidariamente com o fornecedor nacional, caso este não tenha inscrição no cadastro do IBS/CBS ou não realize a emissão de documento fiscal eletrônico.

Considera-se que tal modelo de responsabilidade no IBS/CBS seja compatível com a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), especialmente com os princípios da capacidade contributiva e da cooperação (art. 145, §§ 1º e 3º, CF/1988), na medida em que recairá exclusivamente sobre as plataformas de natureza transacional, ou seja, aqueles agentes econômicos: (i) vinculados à situação que constitui o fato gerador; (ii) em posição de se ressarcir de forma direta e imediata junto aos contribuintes desses tributos; e (iii) que detêm efetivo controle sobre a conclusão das transações e amplo acesso às informações necessárias para realizar o monitoramento das obrigações acessórias de inscrição no cadastro do IBS/CBS e de emissão de documento fiscal.

Além disso, ao buscar a concretização da igualdade no cumprimento das obrigações tributárias, tanto de fornecedores estrangeiros quanto de nacionais, o PLP também promove os direitos fundamentais econômicos, especialmente da livre concorrência, da dignidade do trabalho e do pleno emprego (art. 170, CF/1988), considerando ainda ser o próprio mercado interno um patrimônio nacional a ser protegido, em favor do desenvolvimento do país (art. 219, CF/1988)[2].

Em conclusão, as plataformas transacionais, em função da posição de superioridade que atualmente ocupam nas cadeias produtivas e da sua capacidade de impor padrões de conduta a todos os participantes dos seus ambientes digitais, estão juridicamente habilitadas a desempenhar os papéis descritos no PLP de Lei Geral do IBS/CBS, não havendo que se falar em qualquer tipo de inconstitucionalidade.

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As opiniões veiculadas neste artigo são emitidas pelo seu autor, não refletindo, necessariamente, a visão do Sistema BNDES sobre o assunto.

[1] Sobre o conceito de capitalismo de plataformas, vide também: SRNICEK, Nick. Platform Capitalism. Cambridge: Polity Press, 2017; e DOMINGUES, Gabriel Demetrio. Capitalismo de plataforma e tipologia constitucional das plataformas digitais: entre mercados, praças públicas, anfiteatros e estradas. Revista Fórum Dir. fin. e Econômico – RFDFE | Belo Horizonte, ano 13, n. 23, p. 259-298, mar. 2023/ago. 2023.

[2] Sobre a relação entre mercado interno e desenvolvimento vide, por todos: BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2022.