Seguindo a agenda regulatória previamente divulgada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA), acaba de ser publicada a Portaria 1143/2024, que estabelece regras para os programas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa que deverão ser implementadas pelos operadores de apostas de quota fixa a partir do próximo 1º de janeiro.
A nova norma, que tem como escopo oferecer segurança jurídica, transparência e confiabilidade ao processo de regulamentação das apostas no país, deixa clara a importância dos programas de conformidade nas empresas que compõe a indústria dos jogos e apostas esportivas, chamando a atenção para o fato de que será obrigatório aos agentes operadores desse setor a comunicação de atividades suspeitas ao Coaf.
Considerando que os jogos online transacionam um grande volume de dinheiro, sem que haja contato pessoal com o apostador, tornam-se mais suscetíveis a tentativas de utilização de suas engrenagens para práticas ilícitas, o que pode ter motivado sua inclusão dos agentes operadores dentre os obrigados a reportar, a exemplo do que já ocorre com bancos e instituições de pagamento.
De acordo com a nova norma, a pessoa jurídica autorizada a explorar as apostas deverá comunicar ao Coaf apostas e outras operações associadas sempre que concluir, após seu procedimento de análise definido na portaria, pela existência de indício de prática de lavagem de dinheiro ou qualquer outro delito relacionado.
A conclusão pela existência de indícios de prática ilícita deve levar em consideração “as características, partes e demais envolvidos, valores, modo de realização, meio de pagamento, falta de fundamento econômico ou legal ou, ainda, incompatibilidade com práticas usuais da atividade ou de mercado”.
Nesse ponto, o Reino Unido, que possui uma das legislações mais maduras e abrangentes sobre i-gaming também exige dos operadores de apostas a implementação de políticas e procedimentos para detectar e relatar atividades suspeitas, visando garantir a integridade e segurança do setor. Ao redor da Europa, países como Espanha e Portugal, nos quais as apostas há muito foram regulamentadas incluíram os responsáveis pela gestão e exploração das apostas como sujeitos obrigados a reportar suspeitas de crime às suas respectivas unidades de inteligência financeira.
No Brasil, a portaria enfatiza a importância da comunicação de operações suspeitas de forma detalhada e tempestiva. Isso inclui não apenas transações de valor elevado, mas também aquelas que aparentam desvio do padrão usual, independentemente do montante envolvido. De tal modo, foram estabelecidos critérios claros para identificação de tais atividades, incluindo movimentações financeiras incomuns, uso de terceiros para a realização de transações, e comportamentos que possam sugerir a tentativa de ocultar a identidade dos beneficiários finais.
A nova norma, em linha com a Circular 3978/2020 do Banco Central, acrescenta que as empresas deverão classificar o perfil de risco dos apostadores e de tal modo, adotar procedimentos que permitam avaliar a compatibilidade financeira entre as apostas realizadas e a renda do apostador, bem como verificar se o usuário é pessoa politicamente exposta (PEP) ou possui relação com quem seja.
Em linha com as boas práticas internacionais, a criação de um marco regulatório abrangente e a adoção de políticas rigorosas de compliance se mostram essenciais para assegurar a integridade do setor. A regulamentação eficaz ajuda a prevenir a prática de crimes, protegendo tanto a economia quanto a sociedade que, frequentemente, expressa preocupações sobre a criminalidade associada a jogos e apostas.
Nesse caminho, as empresas que pretendam atuar no país deverão encontrar meios eficientes, e porque não utilizando novas tecnologias e inteligência artificial para o rastreamento de atividades suspeitas nos jogos online. Ferramentas de IA avançadas podem analisar grandes volumes de dados em tempo real, identificando padrões anômalos e comportamentos suspeitos com maior precisão do que métodos tradicionais.
Algoritmos de machine learning podem adaptar-se e melhorar continuamente, aprendendo a distinguir entre transações legítimas e possíveis atividades ilícitas. E mais, a implementação de blockchain pode garantir a transparência e imutabilidade dos registros financeiros, facilitando a auditoria e rastreamento de fundos.
Implementar e cumprir rigorosamente as políticas e procedimentos previstos na portaria e observar os requisitos de comunicação ao Coaf não é apenas uma obrigação legal, como também uma oportunidade para o setor de prêmios e apostas reforçar sua credibilidade e confiabilidade perante os apostadores e o público em geral. Garantir que as empresas atuem em conformidade com elevados padrões de transparência e responsabilidade é fundamental para mitigar as preocupações associadas ao setor de apostas. A regulação adequada não apenas estabelece um quadro normativo claro e preciso, mas também fortalece a credibilidade e a segurança do setor.
Por fim, a Portaria 1143/2024 que é a quinta de uma série de onze normativos que estão programados pela SPA, representa um avanço importante que coloca o país no mesmo patamar regulatório dos países europeus, e certamente contribuirá para o fortalecimento da confiança do apostador e para a consolidação de um mercado mais seguro, transparente e comprometido com o combate à lavagem de dinheiro.
Autoras:
Débora Motta Cardoso, Alessandra Margotti, Fernanda Meirelles, Irati Aparecida Santos, Isabella Pozza, Julia Monteiro, Larissa Mattos Iwai, Paula Braytne, Vitória Lopes Goellner e Victoria Almeida Cerioni – Integrantes da Associação de Mulheres da Indústria do Gaming (Amig)