Repensando o uso dos postes no Brasil

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O cenário urbano brasileiro enfrenta uma série de desafios complexos, destacando-se o uso desordenado e ineficiente dos postes. Essas estruturas, essenciais para a distribuição de energia elétrica, comunicação e serviços públicos, frequentemente enfrentam uma sobrecarga visual e funcional, afetando a estética das cidades e causando impactos negativos na saúde pública e na qualidade de vida dos cidadãos.

Diante desse panorama, torna-se imperativa uma abordagem mais inovadora por parte dos órgãos responsáveis pela gestão urbana. É fundamental que essas instituições adotem uma postura proativa e criativa para enfrentar o problema do uso desordenado dos postes, concebendo-o não apenas como uma questão local, mas como um desafio que requer uma política pública nacional abrangente.

A imaginação institucional é essencial para romper com paradigmas tradicionais e encontrar soluções inovadoras e sustentáveis. Em vez de lidar exclusivamente com os sintomas do problema, como a poluição visual e os riscos à saúde pública, as instituições devem abordar suas causas subjacentes, buscando soluções integradas que considerem as necessidades de todas as partes envolvidas.

Uma estratégia eficaz para lidar com o uso desordenado dos postes envolve várias frentes de atuação. Em primeiro lugar, é crucial promover o compartilhamento inteligente da infraestrutura de postes entre diferentes provedores de serviços, como empresas fornecedoras de energia, prestadoras de serviços de telecomunicações e sistemas de iluminação pública. Essa abordagem reduz a quantidade de postes necessários, contribuindo significativamente para diminuir a sobrecarga visual nas ruas.

Além disso, é essencial incentivar a inovação tecnológica para reduzir a necessidade de instalação de novos postes. Por exemplo, o emprego de tecnologias de fibra óptica subterrânea ou sem fio pode eliminar a demanda de postes na transmissão de dados. Da mesma forma, a implementação de soluções de iluminação mais eficientes pode reduzir a dependência de postes de iluminação pública.

No entanto, para implementar essas medidas de forma eficaz, é fundamental reconhecer e abordar o problema do uso desordenado dos postes como uma questão de política pública nacional. Isso requer uma coordenação inteligente entre as instituições, bem como a participação ativa da sociedade civil e do setor privado.

Uma política pública nacional para o uso dos postes deve estabelecer diretrizes claras e oferecer incentivos para o compartilhamento de infraestrutura, além de promover a adoção de tecnologias inovadoras e sustentáveis. É primordial garantir a participação equitativa de todos os envolvidos nesse processo.

Nesse contexto, quase dez anos após a publicação da Resolução Conjunta 4, de 16 de dezembro de 2014, que estabeleceu regras para o uso e ocupação dos pontos de fixação em postes compartilhados por empresas de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, percebemos que a abordagem regulatória que inspirou tal Resolução não foi suficiente.

À época entendia-se que, ao estabelecer regras de uso dos pontos de fixação, os próprios agentes do mercado – prestadoras de serviços de telecomunicações, de um lado, e distribuidoras de energia elétrica, de outro – iriam dar enforcement à Resolução por meio da fiscalização dos contratos estabelecidos entre eles, aplicando as sanções contratuais quando cabível.

Entretanto, o que se observou foi uma piora significativa na situação de ocupação dos postes pelas redes de telecomunicações. O caos urbano que há dez anos se limitava aos grandes centros hoje se espalha por todo o país.

Diante desse quadro, foi apresentada proposta de reavaliação da regulamentação sobre compartilhamento de postes pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a qual aguarda resposta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desde o segundo semestre de 2023. Ademais, é necessário incluir instrumentos de monitoramento e fiscalização para garantir o cumprimento das regulamentações e prevenir abusos.

A proposta apresentada pela Anatel prevê que a cessão dos pontos de fixação será obrigatória e a exploração dos pontos será realizada por meio de uma Exploradora de Infraestrutura, a ser selecionada por Chamamento Público conjunto entre a Anatel e a Aneel, responsável por executar o Plano de Regularização dos Postes Prioritários (PRPP). 

O diagnóstico que foi feito ao longo da Análise de Impacto Regulatório (AIR) indicou que uma das raízes do problema é justamente a ausência de um sentimento de “propriedade” sobre os pontos de fixação nos postes. Isso se dá por diversos motivos, mas do ponto de vista econômico, a causa fundamental é a regra de modicidade tarifária, que transfere grande parte das receitas associadas à exploração dos pontos de fixação diretamente para o consumidor.

Posto isso, a abordagem proposta pela Anatel vai no sentido de criar um “proprietário” exclusivo dos pontos de fixação, buscando mitigar as ineficiências geradas pela ocupação desordenada e muitas vezes irregular, a falta de fiscalização quanto à ocupação e a demora na aprovação de projetos de ocupação, falhas essas que se retroalimentam em um espiral de desordem e caos.

Em razão de um consenso entre os diretores focais, a proposta aprovada pela Anatel, foi apresentada pelo relator do tema na Aneel, o diretor-relator Hélvio Guerra. Após a exposição do voto do relator, a diretora Agnes Maria de Aragão da Costa manifestou voto divergente, defendendo a cessão facultativa dos pontos de fixação. Ela propôs a possibilidade de cessão conjunta entre Anatel e Aneel, motivada por interesse público e após um processo administrativo que evidenciou prática não competitiva ou ineficiência do serviço prestado pela distribuidora.

Sugeriu, ainda, a realização do chamamento público pela distribuidora para identificar e selecionar interessados na cessão do direito de exploração comercial de Espaços em Infraestrutura, segundo as diretrizes estabelecidas pela Anatel e pela Aneel, e cujo contrato não teria o tempo mínimo de dez anos estabelecido na regulamentação. 

Em maio de 2024, o diretor Fernando Mosna apresentou voto entendendo que a cessão do espaço comercial dos pontos de fixação deveria ser facultativa. Propôs que essa cessão ocorra apenas em casos de prestação inadequada de serviço, abuso de direito ou poder de mercado, devidamente apurados por metodologia de avaliação, cujas diretrizes seriam elaboradas pela área técnica da Aneel, conforme apresentadas no voto, ou em razão de desistência da exploradora. Nos casos em que seja decidido pela cessão, o chamamento seria feito pela distribuidora elétrica, e a área geográfica da cessão poderia ser superior ou inferior à área da concessão, sem a exigência do prazo mínimo contratual de dez anos.

A distribuidora manteria a intenção de explorar os pontos de fixação e regularizá-los por meio da assinatura de um termo de compromisso no prazo de 210 dias. No caso de optar por não assinar, a distribuidora deveria iniciar o chamamento de terceiros. 

Outro posicionamento do vistor que diverge do aprovado pela Anatel, foi que na execução do PRPP, os cabos passariam a ser retirados pelas distribuidoras de energia elétrica e o prazo para identificação dos postes objeto do plano ampliado de 90 dias para 240 dias. Após a identificação, as distribuidoras teriam 180 dias para a remoção dos cabos. Os postes que não integrarem o PRPP não serão objeto de obrigatoriedade da remoção pela distribuidora, mas poderão ter os cabos em desuso retirados, após prévio procedimento de comunicação das empresas de telecomunicações, podendo haver algum tipo de compensação. A remoção dos cabos não utilizados pelas distribuidoras deverá integrar os custos das distribuidoras para a fixação do preço na metodologia de custos a ser aprovada. 

Adicionalmente, o vistor diretor Fernando Mosna propõe a avaliação de formas de ampliação do número dos pontos de fixação, que em seu entendimento, observando a norma técnica, poderia chegar até dez pontos de fixação.

O vistor ainda propõe que a distribuidora requeira à prestadora de telecomunicações a efetiva comprovação de autorização específica para atuar naquela região. 

O processo ainda está em deliberação pela Aneel, pois o atual diretor-presidente requereu vistas do processo. 

Verifica-se que a proposta do segundo diretor vistor vai além da proposta da vistora. Os dois concordam com a facultatividade da cessão e que ela só deve ser imposta em casos de ineficiência administrativa ou prática anticompetitiva, ou, nas palavras do vistor, na prestação inadequada do serviço, abuso de direito ou de poder de mercado. Ambos repassam à distribuidora o dever de realizar o chamamento e retiram da regulamentação o prazo mínimo. Contudo, conforme exposto, o vistor Mosna vai além com outras propostas. Como a diretora Agnes Maria de Aragão estava ausente na reunião que Mosna proferiu seu voto, não houve manifestação dela sobre os pontos adicionais. 

Os pontos críticos da proposta dos vistores incluem a imposição de hipóteses específicas que resultarão na cessão a terceiros. Essa cessão necessitará de um processo administrativo para que as agências determinem a transferência dos pontos de fixação a terceiros. Além de parecer uma penalidade, essa situação certamente perpetuará a precariedade da situação dos postes na área cedida até que ocorra a efetiva cessão a uma empresa exploradora. 

Entende-se que a proposta da Anatel nesse sentido se mostra mais assertiva, já que impõe a obrigatoriedade da cessão, estabelecendo prazos limites para a realização da transferência à empresa explorada, o que possibilitará que o processo de regularização ocorra de forma mais célere e tempestiva, tal qual o atual cenário de caos dos dias atuais exige. 

Outra questão levantada é se houve avanços nas propostas, especialmente no que diz respeito à imposição feita à distribuidora para a retirada dos cabos ociosos e regularização dos postes. Essas ações resultariam em novos custos procedimentais para a distribuidora, que inevitavelmente seriam refletidos na metodologia de custos, com a tendência de elevação do preço final. Um aumento no preço certamente poderá impactar a viabilidade e o modelo de negócio da prestadora de telecomunicações.  

Deve-se ainda mencionar que a proposta do vistor de se exigir a autorização da prestadora de serviços de telecomunicações específica para atuação naquela área pode ser, por vezes, ineficaz em razão do atual arcabouço regulatório da Anatel conferir ao serviço de comunicação multimídia a autorização do serviço em âmbito nacional. Por essas razões, a proposta de regulamento aprovada pela Anatel não incluiu tal exigência. 

Em última análise, enfrentar o problema do uso desordenado dos postes no Brasil requer uma mudança de mentalidade por parte das instituições responsáveis pela gestão desse recurso escasso. O desalinhamento institucional em relação a questões estruturais apenas perpetua a situação, como bem expressou Giuseppe Tomasi de Lampedusa: “algo deve mudar para que tudo continue como está”. Em vez de adotar uma visão reativa e fragmentada, é essencial pensar de forma integrada, harmoniosa e imaginativa, buscando soluções sustentáveis que promovam um ambiente urbano mais ordenado, benéfico e agradável para todos os cidadãos.