Repasse de benefícios fiscais: as implicações para os usuários de telecomunicações

  • Categoria do post:JOTA

Recentemente, algumas mudanças legislativas e decisões judiciais trouxeram à tona a questão do repasse ao consumidor dos ganhos econômicos das empresas de telecomunicações resultantes da redução dos valores de PIS/COFINS, em decorrência de decisão judicial (Tema 69/Repercussão Geral/STF) e da Medida Provisória 1.159/2023 que alterou a mecânica de apuração das citadas contribuições sociais.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o Tema 415 de repercussão geral, decidiu que o repasse das contribuições sociais PIS e COFINS para o usuário de serviços públicos, como no caso de telefonia, era legítimo, não ofendendo a Constituição Federal, por entender que as concessionárias devem ter justa remuneração, incluindo-se nas tarifas, além dos custos diretos e indiretos de prestação, também os tributos incidentes na operação, no intuito de se preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Não obstante, em uma decisão que impactou o cenário tributário, o STF, em julgamento relacionado ao ICMS, decidiu que esse imposto não integra a base de cálculo do PIS e da COFINS (Tema 69).

Como resultado dessa decisão, o governo publicou a Medida Provisória 1.159/2023, excluindo o ICMS da base de cálculo das contribuições, havendo redução no valor das contribuições a serem recolhidas, o que acabou por gerar um ganho econômico para as empresas contribuintes de telecomunicações.

Assim, haveria a necessidade ou não do repasse desse desconto nas tarifas dos usuários dos serviços de telecomunicações?

Para que se chegue a alguma resposta, necessária se faz a divisão dos serviços de telefonia prestados sob o regime de concessão e regime de preços.

Dos serviços prestados sob o regime de concessão 

Diante de uma análise consumerista, pela qual a concessionária se enquadra como fornecedora e o usuário consumidor, se há a legitimidade do repasse do tributo para a composição da tarifa paga pelo usuário do serviço, a redução de seu valor, em decorrência da retirada do ICMS de sua base de cálculo, também se configura legítima, devendo ser repassada.

A falta de repasse do ganho econômico, com a ausência de discriminação do valor real dos tributos na fatura do usuário, poderia configurar prática abusiva e má-fé por parte da empresa, possibilitando a devolução em dobro, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Já sob a ótica do Direito Civil, o não repasse poderia ser enquadrado como enriquecimento ilícito das prestadoras de serviços de telecomunicações, consoante art. 884 do Código Civil.

Aliado a tais pontos, deve-se esclarecer também que os valores atualizados dos tributos, assim como os custos que compõem o serviço necessitam constar na fatura do usuário de forma clara, observando-se os princípios da boa-fé objetiva e da transparência na relação da concessionária com seus consumidores, como dispõe o art. 31 do CDC.

Sob o viés do direito regulatório, as normas são claras no que tange ao direito do usuário de serviços de telecomunicações à informação adequada e clara sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços, disposições estas encontradas no CDC e na Resolução ANATEL/CD 632 de 07/03/2014, que aprovou o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), Lei Geral de Telecomunicações.

Entende-se que se o consumidor assume o ônus do encargo financeiro do valor dos tributos que não incidem diretamente sobre a prestação do serviço de telefonia, havendo redução do valor destes tributos, o repasse do desconto deve ser dado ao usuário, discriminando-se, como dito, na fatura, o valor reajustado, de modo que sem o repasse, a retenção do ganho econômico poderia configurar hipótese de reajuste em período inferior a 12 (doze) meses dos preços ou tarifas cobrados, prática vedada pelo art. 65 do RGC.

Referida situação poderia ser considerada reajuste sem previsão contratual, o que é vedado pelo art. 3º, IV, e 50, III, do RGC, sendo também prática proibida em decorrência de sua abusividade, nos termos do art. 39, XIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Cumpre salientar que o ganho econômico resulta de uma redução da carga tributária e, uma vez que a cobrança destes tributos é repassada ao consumidor, em razão da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sua redução deve seguir a mesma lógica, já que, como dito, trata-se de serviço essencial onde o consumidor não pode sair prejudicado.

Assim, no âmbito da concessão, onde a contrapartida financeira pela prestação de serviços públicos se dá por meio de regime tarifário, não se vislumbraria possibilidade de retenção de tal ganho econômico, vez que, no setor de telecomunicações, as tarifas são reguladas de acordo com um modelo de teto de preços que estabelece o valor máximo da tarifa a ser praticada.

Dos serviços prestados sob o regime de preços

No contexto dos serviços prestados sob o regime de preços, onde a liberdade é a norma, a análise se concentra na relação entre fornecedores e consumidores, considerando que os últimos suportam o ônus dos tributos.

Nesse cenário, a transparência dos preços e das informações ao consumidor assume grande relevância. A ANATEL, como agência reguladora, fiscaliza a precificação e permite a retenção do ganho econômico pelas prestadoras, desde que o valor referente à redução seja transferido para algum componente do preço do serviço, garantindo a informação adequada ao consumidor e respeitando os princípios de clareza e transparência.

Esse processo envolve a possibilidade de reformulação dos planos existentes e o lançamento de novos planos para manter a competitividade no mercado, sendo importante comunicar quaisquer alterações aos consumidores e evitar práticas prejudiciais à competição, sob o escrutínio da agência reguladora.

Portanto, a questão tributária nos serviços prestados sob o regime de preços não obriga o repasse do benefício fiscal aos usuários, mas exige a transparência e a clareza nas informações e nos preços, com a possibilidade de reformulação de planos e a necessidade de comunicação eficaz ao consumidor.

Por tal razão, caso o ganho econômico seja absorvido pela prestadora de serviço, haverá, por consequência, uma possível reformulação dos planos vigentes e lançamento de novos planos, devendo a operadora adotar estratégias para se manter competitiva no mercado.

De se reparar que não há proibição quanto ao não repasse de desconto aos usuários sob a ótica consumerista, desde que o consumidor possa saber exatamente o que contratou e pelo que está pagando, nos termos das obrigações estabelecidas pelo RGC quanto à transparência da oferta e seus desdobramentos.

Conclusão

Em síntese, sob as perspectivas consumerista, cível e regulatória nos serviços prestados sob o regime tarifário, há de se considerar a possibilidade de eventual determinação jurídica às prestadoras de serviços públicos de telecomunicações em regime de concessão, para o repasse aos seus consumidores, da redução dos tributos PIS e COFINS, ante a exclusão do ICMS da composição de sua base de cálculo.

Já no tocante aos serviços submetidos ao regime de preços, no qual a liberdade é a regra, a retenção do ganho econômico não se mostraria ilegal, desde que discriminado ao usuário o correto valor dos tributos e comunicadas as condições de oferta do serviço de forma transparente, compensando a redução com o aumento de preços nos serviços, já que, aqui, as prestadoras podem alterar as condições de suas ofertas, sendo livres para criar Planos de Serviços orientados a seu modelo de negócios.