Os gastos com previdência das empresas de transporte rodoviário de cargas, público metroferroviário e rodoviário de passageiros podem quadruplicar com uma eventual reoneração da folha de salários, atualmente em debate no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF). É o que aponta um levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Informações coletadas com empresas do setor dão conta que, atualmente, as contribuições previdenciárias das empresas ficam em torno de 1,5% sobre a receita bruta. Com a reoneração da folha de pagamentos, as despesas para fins previdenciários nesses negócios poderão chegar a 6% do que as empresas faturam com a sua atividade-fim.
O benefício permite um desconto nas contribuições previdenciárias para 17 segmentos da economia, além de municípios pequenos – como forma de incentivar o mercado formal, já que eles empregam cerca de 9 milhões de trabalhadores.
Entre esses setores, estão a indústria têxtil e de confecções, calçados, couro, proteína animal, veículos, informática, infraestrutura de telecomunicações, comunicação, centrais de atendimento, construção civil e transportes. São beneficiados três modais de transporte: metroferroviário de passageiros, rodoviário coletivo público de passageiros e rodoviário de cargas.
A desoneração da folha de pagamento é prevista na Lei 14.784/2023, contudo, o Poder Executivo Federal entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633.
O ministro Cristiano Zanin, relator da ação no STF, havia estabelecido o prazo até 19 de julho, para um acordo entre governo e Congresso – o que ainda não aconteceu. Na véspera, por decisão do ministro Edson Fachin, a desoneração foi mantida até 11 de setembro.
No momento, está na mesa uma proposta de fim gradual da desoneração a partir do ano que vem, e o governo avalia as propostas de compensação apresentadas pelo Senado Federal. Sem acordo, há chances de reoneração total.
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Entenda o que está em jogo
Acontece que há, desde o ano passado, ameaças em extinguir a desoneração da folha de pagamento. A Lei 14.784/2023 fixou o incentivo até 31 de dezembro de 2027, mas a legislação é questionada pelo governo no STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.633.
Na ADI, o governo argumenta que a lei que prorrogou a desoneração da folha de salários não estimou o impacto financeiro da medida e, por isso, seria inconstitucional.
Por outro lado, a CNT, amicus curiae (amigo na corte) na ação, afirma que “o Congresso averiguou os impactos financeiros e orçamentários da legislação”. Segundo a entidade, a redução de R$ 9,4 bilhões na tributação da folha possui, a título de compensação, a arrecadação adicional de R$ 10 bilhões devido ao esperado crescimento do emprego e de R$ 2,4 bilhões pela extensão do adicional de 1% na Cofins-Importação – no período até o ano de 2027.
“A folha de pagamento é um dos maiores custos das empresas de transporte brasileiras. Por isso, a desoneração ajuda a equilibrar as contas sem a necessidade de demissões e sem travar os investimentos no setor”, comenta o presidente da CNT, Vander Costa.
Para a CNT, a desoneração da folha tem efeito positivo no emprego: facilita o equilíbrio econômico das empresas sem corte de pessoal, e estimula novas contratações. Segundo a entidade, os três modais beneficiados (metroferroviário de passageiros, rodoviário coletivo público de passageiros e rodoviário de cargas) contrataram 107.963 novos empregados de 2023 a março deste ano, o que representa 92% das vagas criadas no setor de transporte no mesmo período.
Além disso, a entidade alerta que eventual fim do benefício acarretaria no aumento do preço médio de passagens e fretes, devido ao repasse dos custos das empresas aos usuários.
A desoneração no Congresso e no STF
A desoneração da folha de pagamento entrou em vigor em janeiro de 2012. A medida foi prorrogada desde então.
Com a desoneração, em vez de pagar 20% de contribuição previdenciária patronal sobre a folha de cada funcionário, as empresas recolhem um percentual sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor. A partir de 2023, no caso dos municípios pequenos, que passaram a ter o benefício, a contribuição previdenciária sobre a folha dos servidores foi reduzida de 20% para 8%.
Em 2021, o Congresso prorrogou a política até 31 de dezembro de 2023. Em outubro do ano passado, antes que o benefício expirasse, os parlamentares aprovaram a lei que estendeu a desoneração da folha de salários até 31 de dezembro de 2027.
Contudo, em novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou integralmente o projeto aprovado pelo Congresso, como parte da política fiscal. No mês seguinte, deputados e senadores derrubaram o veto por ampla maioria.
Após a derrubada do veto, a Advocacia-Geral da União (AGU) levou o caso para o STF, pedindo a revogação de trechos da lei para inviabilizar a continuidade da política. Em abril, o ministro Cristiano Zanin, do STF, atendeu ao pedido, revogando o benefício na prática com uma decisão liminar.
Em seguida, Zanin suspendeu, por 60 dias, a liminar, com o objetivo de assegurar a possibilidade de obtenção de solução por meio de “diálogo interinstitucional” – conforme pediram o Congresso e a AGU. “Transcorrido o prazo de 60 dias sem solução, a liminar deferida retomará sua eficácia plena”, escreveu o ministro no despacho.
Agora, o governo e o Legislativo tentam um acordo para criação de uma proposta de reoneração gradual da folha de salários.
Pela proposta em debate, a desoneração integral da folha dos 17 setores e pequenos municípios valeria até 31 de dezembro deste ano. A partir de janeiro de 2025, haveria uma retomada progressiva da cobrança sobre a folha de pagamento e uma redução da contribuição sobre a receita bruta na mesma proporção. A transição iria até 2028, quando a contribuição previdenciária voltaria a ser de 20% sobre a folha de pagamento, e zero sobre a receita bruta.
As medidas sugeridas pelos parlamentares somam cerca de R$ 17 bilhões, mas a Receita estima que a desoneração teria impacto negativo de R$26 bilhões em 2024. Com isso, o Ministério da Fazenda e o Congresso negociam medidas arrecadatórias para compensar a desoneração.
“Sem definição, se abre insegurança jurídica, e a consequência principal é o adiamento do investimento no país”, ressalta Vander Costa, presidente da CNT.