Relator suspende andamento de processo criminal contra Leo Lins

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A tramitação do processo criminal contra o humorista Leo Lins foi suspenso por decisão do juiz substituto do segundo grau Marcos Alexandre Coleho Zilli, da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). A decisão paralisa o andamento da ação em primeiro grau, enquanto a Corte avalia a transnacionalidade do caso. A defesa do humorista alega que compete à Justiça Federal julgar o caso, sob o argumento de que os vídeos tiveram acessos em 17 países diferentes.

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Na decisão, o relator, Marcos Alexandre Coleho Zilli, considerou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece a competência da Justiça Federal para julgar casos de discriminação e preconceito por meios de plataformas digitais com YouTube e Facebook.

Leo Lins foi denunciado, em setembro de 2023, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) pelos possíveis crimes de racismo e discriminação ao fazer piadas com pessoas com deficiência. O juízo do Setor de Atendimento de Crimes da Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs) acolheu a denúncia por entender que o humorista disseminava conteúdo discriminatório, tendo como alvo minorias historicamente vulnerabilidades.

Após a liminar, a primeira audiência do processo criminal, marcada para a última segunda-feira (29/01), foi suspensa. A decisão considerou que, enquanto não houver uma definição sobre a competência do órgão julgador, não caberia manter a audiência de instrução e concedeu um habeas corpus ao humorista.

O pedido de revisão da competência da justiça estadual foi, num primeiro momento, negado pelo juízo da Sanctvs. Segundo a juíza Gina Fonseca Corrêa, a jurisprudência entende que nem todos os crimes cometidos na internet serão de competência da Justiça Federal.

“Infere-se que os supostos crimes praticados por LLBL [Léo Lins] teriam como vítimas brasileiros. Em acréscimo, o conteúdo ilícito foi aqui produzido e grande parte dos acessos provém do Brasil. Ausentes, pois, quaisquer indicativos de transnacionalidade que pudesse deslocar a competência para a Justiça Federal”, afirmou.

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Em maio do ano passado, a juíza havia determinado que Lins deletasse o registro de uma apresentação humorística e qualquer conteúdo em imagem, texto e vídeo, que promovesse discurso de ódio contra minorias de suas redes sociais. Também proibiu a reprodução de piadas similares em apresentações presenciais. A decisão estabeleceu, ainda, visitas mensais obrigatórias à Comarca e proibiu a ausência do humorista da Comarca em que reside por mais de 10 dias, sem autorização judicial.

A decisão de André Mendonça sobre o caso

Desde as primeiras medidas restritivas impostas pelo Sanctvs, a defesa Leo Lins tem buscado recorrer para instâncias superiores. Em julho do ano passado, os advogados do humorista ajuizaram uma reclamação no Supremo, alegando que uma decisão que o proibia de fazer novas piadas consideradas discriminatórias violou a liberdade de expressão e contrariava posições adotadas anteriormente pelo Supremo.

O ministro André Mendonça suspendeu a decisão com “todos os seus efeitos, sem prejuízo da regular continuidade de eventual inquérito policial ou ação penal em curso, decorrente ou conexo ao processo cautelar” e afirmou que a decisão não implica juízo de mérito acerca da responsabilidade criminal no processo.

De acordo com o ministro do STF, é consolidado na Corte o entendimento sobre a proteção constitucional garantida ao exercício das liberdades criativas, ainda que essas manifestações não sigam “critérios religiosos, morais ou ideológicos majoritários (ou mesmo minoritários) da sociedade”.

“O caso dos autos comporta, ainda, dois importantes registros complementares. O primeiro diz respeito ao ambiente em que as falas, supostamente ‘indicativas’ da prática de ilícito penal, foram proferidas. Trata-se, a toda evidência, de um show de humor, conhecido como stand up comedy, modalidade atualmente bastante difundida no Brasil, no qual imperam – e é exatamente isso que esperam os consumidores desses eventos – o riso, a galhofa, a deformação hiperbólica da realidade, a crítica abusada, debochada, mordaz, polêmica, por vezes ofensiva e, frequentemente, sem qualquer compromisso com o ideário politicamente correto”, diz trecho da decisão.

O ministro afirma que essa necessária contextualização, embora,  “não signifique imunidade penal, é altamente indicativa da configuração do animus jocandi, inerente e presumido em qualquer apresentação artística dessa natureza, cuja audiência, aliás, demanda postura ativa por parte de quem, livre e conscientemente, escolhe consumir esse tipo de diversão”.

“Daí por que não há que se confundir o presumido animus jocandi de um profissional do humor com o dolo de se praticar crimes, necessário, em regra, para configurar a maior parte dos tipos penais existentes na legislação (art. 18, parágrafo único, do Código Penal). É certo que, como tudo no direito (e na vida), há limites para o exercício de qualquer atividade, e não se descarta a possibilidade de, por meio de piadas, cometer-se crimes. Todavia, é o ânimo interno do agente, a ser extraído das circunstâncias de cada caso – inclusive e especialmente do ambiente – que vai delinear os indicativos da prática, ou não, de ilícitos criminais”, afirma o ministro..

A decisão de Mendonça foi tomada na RCL 60.382.

O que disse Leo Lins no especial

Na decisão da juíza Gina Fonseca Côrrea que tornou Leo Lins réu são citadas as seguintes falas do humorista como exemplos de comentários supostamente odiosos, preconceituosos e discriminatórios contra minorias e grupos vulneráveis:

“Eu acho, de verdade, que o tipo de humor que eu faço é o mais inclusivo de todos. Eu faço piada de tudo e de todos. Quer show mais inclusivo do que esse? Eu já cheguei a contratar intérprete de libras, só pra ofender surdo-mudo. Não adianta fingir que não ta ouvindo não…”. Em seguida, emite sons “imitando” pessoas mudas: “Ahn, ahn, ahn” e diz: “Sinal você entende. Entende esse aqui?” e em seguida: “Eu ia trazer um intérprete hoje, só não trouxe porque eu pensei: “ah foda se os surdos né?” (…) “Eu até aprendi algumas. Vou ensinar pra vocês. Sabe como o surdo e mudo fala bom dia? – Ahnnn! Boa noite? – Nhanhanhan”

“Acho que eu sou o único stand up no Brasil que no dia do show, por conta das ameaças, na porta do teatro, colocaram um detector de metal. (…) E graças ao detector a gente impediu a entrada de 1 canivete e 2 cadeirantes. Os cadeirantes eram muito meus fãs, vieram se arrastando me ver. Parecia um soldado na trincheira eles vindo assim”;

“Agora na Síria tem um anão (finge estar segurando o riso) combatendo o Estado islâmico. (…) Eu acho que esse anão ficou puto porque expulsaram ele do Estado Islâmico. Não dá nem pra ele ser um homem bomba! Vai ser o quê? Um homem estalinho? Eles usam anão em festa junina.” Em seguida, simula atirar anões no chão, emitindo os sons “Pá! Pá! Pá!” e prossegue: “Se tiver algum anão aqui, no final do show a gente estoura. Mais um processo! Pelo menos vai ser pequenas causas”.

Para a juíza, sob o pretexto de se tratar de um espetáculo de humor, Léo Lins, em tese, parece deliberadamente ofender diversos grupos minoritários e vulneráveis, “além de incitar a práticas de diversos crimes, inclusive de natureza sexual”.

A decisão que suspendeu a tramitação do processo criminal foi tomada no processo de número 2004175-66.2024.8.26.0000.