Relações governamentais e boas práticas regulatórias

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O principal debate de política pública no Brasil na área de relações governamentais está centrado hoje na regulamentação do lobby. O tema já foi objeto de diversos projetos de lei, um dos quais aprovado em 2022 pela Câmara dos Deputados e, agora, em discussão no Senado Federal. A normatização é essencial para assegurar transparência e legitimidade à atividade de relações governamentais por parte da iniciativa privada e da sociedade civil organizada junto ao governo. Dito de outro modo, ela contribui para organizar, de forma republicana, o diálogo entre poder público e sociedade sobre formulação e implementação de políticas públicas.

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Regulamentar o lobby, contudo, é apenas uma face da moeda, pois tende a se concentrar nas regras que o agente privado deve seguir para defender seu interesse (legítimo) junto ao governo. O outro lado dessa moeda é a forma pela qual o próprio poder público se organiza para assegurar a participação social na elaboração da política pública. Isto é, o conjunto de instrumentos, medidas e práticas que o governo adota para permitir que iniciativa privada, sociedade civil organizada e até outros órgãos governamentais sejam escutados e tenham seus interesses levados em consideração no processo de formulação e implementação de uma política. Trata-se de regular lançando mão de uma “caixa de ferramentas”: as Boas Práticas Regulatórias (BPRs).

Nesse contexto, as BPRs têm papel central e diretamente relacionado à atividade de relações governamentais. O termo, também conhecido como coerência regulatória, desenho regulatório, melhoria regulatória, reforma regulatória, boa estrutura regulatória ou boa gestão regulatória, refere-se a um conjunto de políticas específicas relativas à qualidade e consistência do processo de regulação. Por meio da adoção de BPRs, busca-se garantir que o processo de criação e revisão de normas e regulamentos seja desenvolvido de maneira aberta, transparente e participativa, e que as decisões sejam baseadas em análise de riscos e fundamentadas nos melhores dados e evidências disponíveis. BPRs são, portanto, um conjunto de ferramentas à disposição do governo para regular de maneira a melhor atingir seus objetivos de política pública sem, contudo, prejudicar a atividade econômica.

No Brasil, houve avanços relevantes na implementação das BPRs, entre os quais a nova Lei das Agências Reguladoras de 2019 (Lei Nº 13.848) e o Decreto Nº 10.411/2020, que regulamentou a análise de impacto regulatório (AIR) prevista na Lei da Liberdade Econômica de 2019 (Lei Nº 13.874), tornando-a obrigatória não somente para as agências reguladoras mas para todos os órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. A AIR contém informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto, inclusive econômico e social.

Já a retomada do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), por meio do Decreto Nº 11.738/2023, publicado há poucos dias (19/10), busca maior intercâmbio entre os reguladores para melhorar o ambiente regulatório no país.

Esses avanços são, em grande medida, decorrentes de acordos internacionais do Brasil. De um lado, compromissos multilaterais, tanto no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) quanto da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — mais especificamente os acordos de Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) e de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), ambos da OMC, e duas recomendações de 1995 e 2012 sobre qualidade regulatória, da OCDE. De outro lado, compromissos bilaterais, como o protocolo relacionado a regras comerciais e de transparência, firmado com os Estados Unidos em 2020 e que inclui um anexo sobre BPRs, promulgado pelo Decreto Nº 11.092/2022 e regulamentado pelo Decreto Nº 11.243/2022.

Ao assegurar melhor qualidade regulatória, inclusive por meio de mecanismos que permitam a participação social, as BPRs também operam como parte da estruturação do diálogo entre poder público e sociedade.

Assim, é fundamental que as duas agendas – a regulamentação do lobby e a adoção de BPRs – avancem de forma paralela, de modo a assegurar que tanto os agentes privados que fazem relações governamentais, quanto os órgãos de governo que necessitem conhecer e levar em consideração as posições desses agentes, tenham a melhor estrutura institucional disponível, que resulte em um diálogo transparente e frutífero, e em políticas públicas eficientes e de melhor qualidade para benefício de toda a população.