A reforma tributária aprovada em 2023 pela Emenda Constitucional 132, que propõe um sistema tributário do consumo mais simples e transparente, entrou em fase de regulamentação, ocasião em que foi apresentado o PLP 68/2024, que dispõe sobre as regras gerais e os regimes da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
É fundamental que a regulamentação dedique atenção especial ao setor de turismo que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas desde o início da pandemia de Covid-19, se mostra cada vez mais importante para a economia do Brasil, movimentando mais de 571 atividades econômicas, segundo a Embratur.
Nesse contexto, é importante destacar que as agências de turismo desempenham papel crucial no elo entre os serviços de turismo, incluindo hotéis e companhias aéreas, e o consumidor final. Mais do que responsáveis por fazer essa conexão, as agências representam orientadores do mercado, garantindo mais segurança e proteção ao consumidor.
Como bem observado pelo PLP 68, as agências de turismo se encontram inseridas em regime específico, sendo agora o momento oportuno para ajustar as alíquotas da atividade em atenção aos padrões globais de IVA com o turismo. Tendo em vista que é uma atividade com extrema concorrência internacional, essa definição possibilitará que o Brasil se posicione de forma competitiva em relação ao mercado externo, promovendo o desenvolvimento econômico nacional do turismo, gerando receita para o país.
Também é necessário compreender a natureza de intermediação em todas as operações realizadas pelas agências. O “valor da operação” para fins de base de cálculo do IBS e da CBS sempre corresponderá apenas à sua parcela (comissão, valor agregado ou taxa de serviço) deduzido os valores repassados aos fornecedores turísticos (companhias aéreas, hotéis, entre outros), os quais não compõem a receita do agenciamento.
Não por outra razão que o artigo 279 andou muito bem ao prever que a base de cálculo é o valor da operação com a dedução dos valores repassados para os fornecedores. Por outro lado, ainda são necessários ajustes em relação à intermediação de passagens aéreas, uma vez que agências não realizam “venda de passagens aéreas”, mas atuam como meras intermediárias. Aliás, nem poderiam, pois a venda direta de passagens é exclusiva de transportadores e operadores aéreos, atividade rigorosamente regulada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Em razão disso, é necessário que o PLP 68 reflita expressamente a função das agências de turismo como intermediárias entre os consumidores e os fornecedores turísticos, seja para passagens aéreas, hospedagens, traslados, eventos e outros tantos serviços e produtos turísticos. Ademais, é possível que, dada a particularidade da operação, haja um descasamento entre o momento do fato gerador do serviço prestados pelas agências e do serviço prestado pelo fornecedor turístico, e isso não deve impactar a forma de reconhecimento das receitas das agências, que devem apenas reconhecer a sua própria receita de intermediação quando o serviço for efetivamente realizado.
No que se diz respeito à apropriação de créditos de IBS e CBS pelo adquirente, a redação do artigo 278 inciso III do PLP 68 permite o repasse do crédito, porém o inciso III do artigo 279 o proíbe. Fato é que a atividade prestada pelas agências se trata de um valor que integra o preço do consumo final do turismo, e a proibição de repasse do crédito tende a esvaziar a atividade como uma alternativa para consumo de serviços turísticos, prejudicando o ciclo econômico do turismo. Assim como acontece com as atividades de organização de eventos, o serviço de agenciamento deve dar crédito para os adquirentes, observando a neutralidade almejada pela reforma tributária.
Ainda é necessário mencionar que, por vezes, as agências de turismo são responsabilizadas em decorrência de falhas na prestação de serviços pelos fornecedores turísticos. Por exemplo, quando uma companhia aérea ou hotel cancela ou modifica uma reserva efetuada pelo consumidor, incluindo os casos de falência dessas empresas. Nessas situações, entra a necessidade em estabelecer que o crédito do IBS e da CBS referente a essas despesas seja garantido às agências, uma vez que elas constituem parte essencial da atividade econômica. Por certo, caso a agência seja ressarcida por tais indenizações, o crédito deve ser devidamente estornado.
Em relação ao local de prestação do serviço, a falta de uma definição mais clara do PLP 68 pode resultar em ambiguidades quanto ao ente tributante responsável por determinar a alíquota do IBS das operações das agências, além de possivelmente aumentar a complexidade das obrigações acessórias. Para maior segurança jurídica, é fundamental que o regime específico estabeleça que o local do fato gerador seja considerado o domicílio do adquirente em consonância com a nova sistemática de tributação do consumo.
Por fim, importante ressaltar que embora as agências de turismo possam atuar como intermediárias na facilitação de transações digitais entre fornecedores, clientes e companhias aéreas, elas não têm controle direto sobre aspectos fundamentais das transações, não podendo se enquadrar como plataformas digitais para fins de responsabilizações previstas no PLP 68.
Este é o momento crucial para analisarmos com atenção as particularidades e demandas que envolvam o setor turístico dada a sua relevância para o país. Quanto ao agenciamento, o PLP 68 em discussão está bem concebido, necessitando apenas de poucos ajustes para adequação da realidade de mercado e às necessidades atuais do turismo no Brasil em um cenário de profundas e relevantes alterações do sistema tributário do consumo.