Em abril de 2025, o Brasil foi confrontado com a trágica morte de uma criança de apenas 8 anos, no Distrito Federal, após a participação em um desafio viralizado nas redes sociais que consistia em inalar aerossóis de desodorante para provocar desmaios. A prática resultou em parada cardiorrespiratória e morte cerebral. Episódios semelhantes também foram registrados em outros estados, como Pernambuco, revelando a capacidade das dinâmicas digitais de estimular comportamentos de risco com consequências fatais.
Esses episódios devastadores ressaltam a necessidade urgente de regular o ambiente digital para proteger os direitos e a integridade física e psicológica de crianças e adolescentes. O PL 2628/2022, de autoria do Senado e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, representa uma oportunidade estratégica para o Brasil avançar nessa agenda, alinhando-se a países que já adotaram legislações específicas sobre o tema, como o Reino Unido[1], a Estados Unidos[2], a Austrália[3] e membros da União Europeia[4].
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Além da multiplicação de episódios de exposição indevida, aliciamento, cyberbullying e disseminação de conteúdos abusivos, é necessário compreender que a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital demanda um olhar mais amplo do que o tradicional combate aos crimes cibernéticos.
O PL 2628 propõe um avanço conceitual importante: busca assegurar a proteção integral desses sujeitos em ambientes digitais, hoje intrínsecos a vida dos jovens, respeitando a sua autonomia e promovendo o seu desenvolvimento progressivo, conforme preveem os instrumentos nacionais e internacionais de proteção da infância.
Convém destacar que os riscos para crianças e adolescentes sempre existiram, mas evoluíram com o advento das tecnologias digitais, assumindo novas formas e complexidades. Observa-se uma tendência crescente de ampliação desses riscos, seja em volume, como em gravidade, com impactos significativos sobre os direitos fundamentais e o bem-estar dos sujeitos em desenvolvimento.
Por essa razão, a regulação do ambiente digital não deve ser interpretada como uma restrição à liberdade de expressão, mas sim como uma condição necessária para garantir que a liberdade de navegar, consumir e produzir conteúdos se dê em ambiente seguro, protegido e compatível com o princípio da proteção integral e que atendam verdadeiramente o seu melhor interesse.
Para assegurar a pluralidade de perspectivas sobre a proposta legislativa em curso, estão previstas três audiências públicas na Câmara dos Deputados, no âmbito da Comissão de Comunicação, a serem realizadas ao longo do mês de maio. Previstas no ordenamento jurídico como instrumentos essenciais de participação cidadã, as audiências públicas ampliam a transparência legislativa e fortalecem o diálogo democrático.
No entanto, é necessário reconhecer que, por vezes, esses espaços acabam reproduzindo lógicas de “caixa de ressonância”, em que interlocutores de um mesmo espectro reforçam posições homogêneas, limitando o contraditório.
Dada a importância da temática, buscou-se assegurar uma composição genuinamente diversa de convidados, capaz de refletir a complexidade do tema. Assim, pretende-se reunir especialistas em proteção da infância, pesquisadores em tecnologia e direitos digitais, representantes das plataformas, órgãos de defesa do consumidor, pais e organizações da sociedade civil dedicadas à infância e juventude, garantindo que o debate seja plural e efetivamente construtivo.
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O PL 2628 oferece ao Brasil a oportunidade de consolidar um marco regulatório que combine inovação tecnológica com responsabilidade social, voltado à proteção integral de crianças e adolescentes no ambiente digital. Mais do que uma resposta reativa a episódios trágicos, a construção de um marco sólido e plural sinaliza a capacidade do Congresso Nacional de superar divisões circunstanciais e unir esforços em torno de valores fundamentais.
A proteção da infância online transcende disputas políticas. É um compromisso com o futuro da democracia, com a vitalidade dos direitos fundamentais e com a formação de cidadãos mais críticos, livres e protegidos. Em um cenário de intensa polarização, a discussão sobre a segurança digital de crianças e adolescentes desponta como uma oportunidade rara para renovar o diálogo democrático e reafirmar a centralidade da dignidade humana no desenvolvimento das políticas públicas. Trata-se de um compromisso que o Brasil precisa honrar e uma discussão que não pode ser protelada.
[1] INFORMATION COMISSIONER´S OFFICE. Age appropriate design: a code of practice for online services, 17.10.2022. Disponível em: https://ico.org.uk/for-organisations/uk-gdpr-guidance-and-resources/childrens-information/childrens-code-guidance-and-resources/age-appropriate-design-a-code-of-practice-for-online-services/. Acesso em 26 abr.2025.
[2] ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Children´s Online Privacy Protection Act of 1998, 15 U.S.C 6501-6505 (COPPA). Disponível em: < https://www.ftc.gov/legal-library/browse/rules/childrens-online-privacy-protection-rule-coppa>.Acesso em: 26 abr. 2025.
[3] AUSTRÁLIA. Parlamento. Online Safety (Basic Online Safety Expectations) Determination 2022. Canberra: Parlamento da Austrália, 2022. Disponível em:https://www.aph.gov.au/Parliamentary_Business/Bills_Legislation/Bills_Search_Results/Result?bId=r7284. Acesso em: 26 abr. 2025.
[4] Além do Digital Services Act (DSA) da União Europeia, que estabelece parâmetros gerais para a proteção de menores online, alguns países adotaram regulamentações específicas mais rigorosas. Destacam-se a Alemanha, com a Lei de Proteção aos Jovens (Jugendschutzgesetz); a França, com a “Lei dos Direitos da Imagem das Crianças” (Lei n° 2024-120, de fevereiro de 2024); a Noruega, que estabelece idade mínima de acesso às redes; e a Itália, com medidas específicas sobre verificação de idade e publicidade infantil em ambientes digitais.