Regras de compensação regulatória e a ‘one-in, ten-out rule’: uma boa ideia?

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No final de janeiro, o governo dos Estados Unidos impôs, por meio da Ordem Executiva 14192, duas obrigações às agências do país. Em primeiro lugar, estabeleceu que, ao proporem ou editarem uma nova norma, as agências devem identificar dez outras a serem revogadas.

Em segundo, elas devem assegurar que os custos incrementais de eventuais mudanças regulatórias – ou seja, decorrentes de novas regulações e da extinção daquelas atualmente existentes – sejam menores do que zero ao longo do exercício fiscal.

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Embora a proporção de “dez-para-um” pareça inédita, a exigência de compensações pela edição de novas normas administrativas e pela criação de obrigações ao setor privado não é uma novidade.

A ordem executiva reeditou, em termos mais amplos, regra semelhante, editada no primeiro governo Trump, conhecida como a “one-in, two-out rule”. Além dos Estados Unidos, diferentes países integrantes da OCDE, como Reino Unido, Alemanha, Canadá, México e Coreia do Sul, já adotaram regras de teor semelhante desde, ao menos, 2011[1].

Regras de compensação regulatória têm dois objetivos principais. O primeiro é incentivar que reguladores otimizem as suas escolhas de custos. O raciocínio é análogo àquele que fundamenta a imposição de regras de controle orçamentário, que vedam o crescimento de despesas públicas entre exercícios financeiros, como é o caso, no Brasil, do chamado “teto de gastos”. Ao proibir o aumento dos custos totais impostos aos agentes econômicos, a regra cria uma espécie de “teto regulatório”, o que incentivaria escolhas mais racionais por parte dos reguladores na criação de deveres à indústria.

O segundo objetivo é facilitar a compreensão da regulação existente. Para além do cumprimento das normas estabelecidas, agentes econômicos incorrem em custos para entender aquilo que a regulação admite, ordena ou proíbe. Tais despesas, que envolvem, por exemplo, a contratação de profissionais capacitados para traduzir as obrigações impostas, tendem a acompanhar a extensão e a complexidade da regulação em vigor. A regra de compensação regulatória serviria, assim, como um incentivo a que os reguladores se livrem de normas redundantes ou que imponham custos desnecessários.

A redução do número de normas e a consequente diminuição dos custos de cumprimento e compreensão da regulação têm como finalidade última incentivar o progresso das atividades reguladas. A redução de despesas incorridas pelos atores econômicos, ao menos segundo os seus defensores, aumentaria a eficiência, atrairia investimentos e, em última instância, incentivaria a prosperidade do setor.

Críticos, no entanto, apontam que regras genéricas de compensação regulatória, além de enfrentar desafios jurídicos, podem trazer sérios problemas práticos. Em primeiro lugar, elas podem criar ou agravar riscos relacionados ao desenvolvimento de determinadas atividades econômicas. A criação de certas obrigações, como regras ambientais a empresas que exploram recursos naturais e de liquidez mínima a instituições financeiras, tem como função evitar a ocorrência ou atenuar possíveis externalidades negativas decorrentes da atividade.

Há setores, no entanto, em que riscos e falhas de mercado não foram endereçados adequadamente pela regulação estatal, ou, em termo mais simples, que são menos regulados do que deveriam. Exigir, sem que se considere o contexto da indústria em questão, que as agências reduzam de maneira drástica o seu estoque regulatório pode agravar riscos e falhas não abordados pela legislação vigente.

Além disso, a desregulação decorrente do cumprimento de regras de compensação regulatória pode, paradoxalmente, ter um efeito resfriador da atividade que se busca desenvolver. Isso pode ocorrer, primeiro, porque determinadas obrigações servem justamente para aumentar a eficiência econômica do setor. Basta pensar em normas que buscam extinguir barreiras de entrada e fomentar a concorrência.

Em segundo lugar, a concretização de riscos em decorrência da carência de normas estatais, como graves crises financeiras e ambientais, costuma ser acompanhada de um backlash regulatório – ou seja, da imposição de novas e, por vezes, exageradas obrigações ao setor, capazes de frear o seu desenvolvimento. A crise financeira de 2008, por exemplo – para muitos, fruto da leniência na regulação do mercado norte-americano de hipotecas –, foi respondida em diferentes países com novas e, segundo alguns, exageradas limitações2[2].

Embora prometa trazer benefícios decorrentes da economia de recursos, portanto, é preciso cautela no estabelecimento de regras de compensação regulatória, em especial aquelas que se direcionam de maneira genérica a todos os setores da economia. A desregulação causada por essas medidas pode agravar riscos e falhas não endereçadas ou, de maneira paradoxal, frear o progresso da atividade que justamente se busca desenvolver.


[1] TRNKA, Daniel; THUERER. Yola. One-In, X-Out: regulatory offsetting in selected OECD countries. OECD Regulatory Policy Working Papers nº 11. Paris: OECD Publishing, 2019, p. 6.

[2] Sobre o tema, ver DAGHER, Jihad. Regulatory cycles: revisiting the political economy of financial crises. IMF Working Papers, nº 18, 2018. Disponível em <https://doi.org/10.5089/9781484337745.001>. Acesso em 12 fev. 2025.