Reforma tributária e o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de longo prazo

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A Emenda Constitucional 132/2023 promove uma reformulação significativa na tributação de bens e serviços no Brasil, introduzindo o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que passam a substituir o ICMS, ISS, o PIS e a Cofins. Esta reforma busca simplificar a tributação e resolver problemas históricos, como, entre outros, a “guerra fiscal” entre estados, mas tem implicações complexas para os contratos administrativos de longo prazo, exigindo ajustes para manter o equilíbrio econômico-financeiro.

O IBS e a CBS deverão ser idênticos em todos os seus aspectos essenciais (i.e. hipóteses de incidência, base de cálculo, sujeito passivo, imunidades, regimes específicos etc.), podendo deferir apenas nas alíquotas, que serão fixadas de forma autônoma pela União, estados e municípios, o que garante, em tese o respeito ao pacto federativo estabelecido como cláusula pétrea pela Constituição de 1988.

A autonomia dos entes federativos em relação à fixação das alíquotas do IBS/CBS também permitirá que eles ajustem suas políticas fiscais de acordo com suas necessidades financeiras, mantendo a transparência e a simplicidade do sistema tributário. A técnica da não cumulatividade será aplicada ao IBS e ao CBS, permitindo que os contribuintes compensem o imposto devido com os valores pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva.

Este mecanismo visa garantir a neutralidade tributária, concentrando o ônus financeiro da carga tributária no consumidor final. A questão chave do novo sistema será a “neutralidade”, significando que um imposto IVA neutro não altera as decisões dos agentes econômicos, estabelecendo um tratamento igualitário de todas as formas de consumo, afetando os preços absolutos, mas com menor impacto sobre preços relativos que qualquer outro imposto[1].

A reforma tributária prevê ainda a extinção gradual dos incentivos fiscais relacionados ao ICMS e ISS, estabelecendo um período de transição para que os entes federativos ajustem suas políticas econômicas. Este processo busca eliminar a “guerra fiscal” entre os estados e promover uma competição mais justa e equilibrada. Além disso, alguns setores econômicos terão regimes específicos de tributação, com alíquotas reduzidas ou crédito presumido para aliviar a carga tributária. Estes regimes visam apoiar setores estratégicos e garantir a competitividade em um mercado globalizado.

Quanto ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos de longo prazo, a reforma tributária terá um impacto significativo nesses contratos, exigindo ajustes para manter o equilíbrio econômico-financeiro e garantir que os objetivos sejam alcançados.

O modelo mecanicista de reequilíbrio, baseado em princípios de mecânica clássica, assume que os contratos retornam a um estado de equilíbrio estável de forma previsível e linear. No entanto, este modelo é inadequado para lidar com a complexidade e as dinâmicas não lineares dos contratos de longo prazo, que exigem uma abordagem de gestão mais flexível e adaptativa.

A reforma tributária cria um ambiente onde múltiplos equilíbrios podem surgir ao longo do tempo, exigindo uma abordagem mais adaptativa para o gerenciamento dos contratos. Para minimizar os custos de transação durante esses ajustes, recomenda-se a inclusão de cláusulas padrão de reequilíbrio nos contratos existentes; a possibilidade de “reequilíbrios cautelares” e a implementação de sistemas de monitoramento contínuo e auditorias periódicas.

O PLP 68/2024 regulamenta a incidência do CBS e do IBS e aborda especificamente a questão do reequilíbrio dos contratos administrativos. Os artigos 362 a 366 do PLP 68/2024 estabelecem os instrumentos de ajuste para contratos firmados antes da entrada em vigor desta Lei Complementar, assegurando o reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro devido à mudança na carga tributária.

Artigo 362: Aplica-se aos contratos administrativos firmados antes da entrada em vigor da Lei Complementar.
Artigo 363: Determina a revisão dos contratos para assegurar o reequilíbrio econômico-financeiro devido à mudança na carga tributária efetiva.
Artigo 364: Estabelece que a administração pública deve promover a revisão ex officio dos contratos quando houver redução da carga tributária efetiva suportada pelo contratado.
Artigo 365: Define o procedimento para que o contratado solicite o reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro.
Artigo 366: Determina que, nos casos de omissão, aplicam-se as disposições da legislação que rege o contrato.

A reforma tributária exige uma revisão dos contratos administrativos de longo prazo para garantir seu equilíbrio econômico-financeiro. Abandonar o modelo mecanicista em favor de uma abordagem mais adaptativa e dinâmica, que reconheça a complexidade e a natureza relacional desses contratos, é essencial para absorver choques exógenos (como da reforma tributária) e garantir a viabilidade e a eficácia dos contratos administrativos de longo prazo.

Além disso, aprofundar o debate sobre a perspectiva de existência de múltiplos equilíbrios e pontos focais como locus para negociação entre as partes é fundamental para as empresas se prepararem para o imenso impacto que está por vir sobre seus contratos.

É como um meteoro que aqui cairá e sabemos exatamente quando isso acontecerá (a partir de 2026) e precisamos nos preparar para entender os impactos, estabelecer due diligence nos contratos e planos de contingência tributários.

[1] COELHO, Isaias. Neutralidade e não-cumulatividade do IVA (IBS/CBS). Blog do IBRE. Disponivel no endereço eletrônico: https://blogdoibre.fgv.br/posts/neutralidade-e-nao-cumulatividade-do-iva-ibscbs acessado em 6/7/24