Reforma tributária: a inconstitucionalidade do conselho federativo

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A Proposta de Emenda à Constituição que trata da Reforma Tributária (PEC 45/20191) prevê a criação do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), novo tributo que irá substituir os atuais ICMS, de competência estadual, e ISS, de competência municipal.

O IBS será um imposto sobre valor adicionado de estados e municípios e será por meio do Conselho Federativo do IBS que os entes federados compartilharão a competência tributária deste imposto, incluídas a arrecadação e a distribuição do produto arrecado.

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Questiona-se a constitucionalidade deste conselho, que poderá atingir a autonomia dos entes federativos, violando o previsto no inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Já aqueles que defendem que o texto da reforma é constitucional sustentam que o Conselho Federativo será um órgão de caráter eminentemente técnico.

Inconstitucionalidade do Conselho Federativo

A PEC atribui ao Conselho Federativo a iniciativa de lei complementar que trate do IBS (art. 61, § 3º), além de prever que ele distribuirá o produto de sua arrecadação (art. 156-A, § 4º), arrecadará e efetuará compensações (art. 156-B, inciso III), coordenará a fiscalização, o lançamento e a cobrança do imposto (art. 156-B, § 2º, inciso V) e poderá reter repasses (art. 104, inciso IV, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT), além de outras competências.

Da leitura dos mencionados dispositivos, observa-se claramente que as competências atribuídas ao Conselho Federativo não são apenas de caráter técnico.

Vê-se que várias dessas competências são atribuídas pela Constituição Federal aos entes federativos, e são consideradas a base do princípio federativo, que tem como seu principal fundamento a autonomia dos entes.

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A autonomia federativa, em seu sentido técnico-político, compreende a capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração2 e é exatamente esta última que é atingida quando se retira a atribuição de gerir seus próprios recursos conforme proposto pela PEC.

Vale lembrar que é graças à autonomia dos entes federados que se garante o equilíbrio e a cooperação entre os entes. Qualquer quebra nessa autonomia provocará o desequilíbrio do sistema federativo e, consequentemente, da estrutura constitucional brasileira.

O art. 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal, que traz as chamadas cláusulas pétreas, dispõe expressamente que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.

A criação de um órgão – Conselho Federativo – com competências próprias de ente federativo, esvazia a competência dos órgãos legislativos competentes, instâncias apropriadas para proposição, discussão, deliberação e decisão acerca de matérias tributárias de competência de estados e municípios. Órgãos legislativos estes compostos por representantes eleitos pelo povo, legitimados, portanto, para tratarem de tais assuntos, diferentemente de um conselho que será formado por burocratas escolhidos por critérios técnicos e longe dos olhos da população.

O § 3º do art. 156-B da PEC estabelece que o Conselho Federativo será composto por 27 membros representando cada Estado e o Distrito Federal e 27 membros representado o conjunto de Municípios, sendo 14 eleitos com base nos votos de cada Município, com valor igual para todos, e 13 eleitos com base nos votos de cada Município ponderados pelas respectivas populações. Além disso, o § 4º do mesmo dispositivo prevê como se darão as deliberações, privilegiando, também aqui, Estados que possuem mais de 60% (sessenta por cento) da população do país nas decisões.

Resta claro, portanto, a perda de força dos Estados e Municípios menos populosos, tanto na formação do conselho quanto nas suas deliberações.

Aqui, inclusive, pode-se visualizar uma transferência da competência do Poder Legislativo para o Poder Executivo, numa afronta ao princípio da separação dos Poderes, também cláusula pétrea previsto no art. 60, § 4º, inciso III, da Constituição Federal.

Por outro lado, defensores do Conselho Federativo sustentam que sua criação nos moldes em que proposto na PEC permitirá a integração entre as administrações tributárias, necessária para a integração de tributos conforme disposto na Reforma Tributária.

Tal argumento, no entanto, não se sustenta diante da clara violação ao princípio da autonomia federativa previsto na Constituição Federal. Propostas de mudança sempre são bem-vindas, ainda mais para simplificar o nosso sistema tributário, mas desde que feitas em respeito à Carta Magna, sem atropelar seus princípios e com respeito à forma federativa de Estado e à separação dos Poderes, que, por se tratarem de cláusula pétreas, não podem ser objeto de proposta de emenda à constituição tendente a abolir quaisquer de seus aspectos.

Cabe ressaltar que a inconstitucionalidade alegada não está no fato de a Reforma Tributária atribuir à lei complementar de iniciativa do Conselho Federativo a delimitação de competências tributárias, uma vez que é pacífico o entendimento de que tal delimitação é possível3, desde que essas leis respeitem os limites impostos pelo texto constitucional4.

A inconstitucionalidade está na atribuição de competências ao Conselho Federativo que são próprias dos entes federados, como a distribuição do produto da arrecadação do IBS, sua arrecadação e eventuais compensações, a coordenação da fiscalização, do lançamento e da cobrança do imposto e a possibilidade de retenção de repasses, todas atividades típicas da capacidade de auto-administração de Estados e Municípios, derivada diretamente do princípio da autonomia federativa.

A alternativa para evitar essa flagrante violação é a redefinição das competências do Conselho Federativo, devolvendo aos entes federados as atribuições legislativas que lhe são constitucionalmente destinadas, restando ao conselho apenas aquelas funções de caráter eminentemente técnico.

Conclusão

A repartição das competências tributárias prevista na Constituição Federal é fundamental para que a forma federativa de Estado efetivamente funcione, já que cada ente, para realizar suas funções públicas, necessita de recursos e, consequentemente, de liberdade, dentro dos limites constitucionais, para administrá-los da maneira que melhor lhes convir.

A instituição do Conselho Federativo, na forma em que proposto na PEC 45/2019, viola a autonomia federativa, cláusula pétrea da nossa Constituição,

Por mais necessária que seja a Reforma Tributária em nossa país, ela não pode ser implementada fulminando princípios constitucionais, motivo pelo qual o Conselho Federativo merece ser redesenhado, reduzindo-se suas competências para que, em obediência ao nosso desenho constitucional, adeque-se ao princípio da autonomia federativa e, assim, a reforma contribua para a simplificação do sistema tributário sem violar cláusulas pétreas da Constituição Federal.

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2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 6.

3 HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 405.

4 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva: 2006, p. 794.