No dia 30 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão de grande relevância para setor de transportes no Brasil. Através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.322, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Terrestres (CNTT), restou questionada a constitucionalidade de diversas mudanças promovidas pela Lei Federal nº 13.103/2015, também conhecida como “lei do motorista profissional”.
Abaixo serão destacados os principais impactos dessa decisão no setor de transporte exclusivamente sob o olhar do Direito do Trabalho, abordando, como pontos chamados positivos, o reconhecimento da constitucionalidade de alguns temas e, como ponto negativo, a declaração de inconstitucionalidade de outros assuntos.
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Pontos Favoráveis
A declaração de constitucionalidade de certos aspectos representa um marco importante na compreensão das implicações da decisão do STF para os motoristas profissionais e as empresas de transporte. Entre os principais pontos favoráveis, destacam-se:
Exames toxicológicos obrigatórios: Os exames toxicológicos obrigatórios foram reconhecidos como constitucionais, visando a garantir a segurança nas estradas e coibir o uso de substâncias ilícitas por motoristas profissionais.
Jornadas de até 12 horas (art. 235-C, caput, da CLT): O STF permitiu a manutenção das jornadas de trabalho de até 12 horas (4 horas extraordinárias), desde que reguladas por negociação coletiva, o que confere flexibilidade nas condições de trabalho dos motoristas profissionais.
Flexibilidade de horários (art. 235-C, §3º, da CLT): A possibilidade de início e final da jornada, assim como dos intervalos, sem horários fixos, salvo previsão contratual, foi reconhecida como constitucional, concedendo maior autonomia aos motoristas profissionais e as empresas de transporte no dia a dia.
Tempo de espera em viagens de longa distância (art. 235-D, §3º, da CLT): O STF também reconheceu que o tempo de espera durante viagens de longa distância deve ser considerado parte do serviço apenas quando houver autorização explícita do empregador. Isso porque reconheceu como válida, a disposição que previa que o motorista empregado, durante uma viagem de longa distância, não precisa continuar trabalhando após cumprir sua jornada regular ou horas extras, a menos que o empregador autorize explicitamente sua permanência ao lado do veículo.
Prolongamento da jornada em situações excepcionais (art. 235-D, §6º, da CLT): Em casos excepcionais, o motorista pode estender sua jornada pelo tempo necessário para chegar a um local seguro ou ao seu destino, promovendo segurança nas estradas.
Tempo de descanso em veículos com cabine leito (art. 235-D, §7º, da CLT): O tempo em que o motorista acompanha um veículo transportado que tenha cabine leito é considerado tempo de descanso, melhorando as condições de trabalho.
Negociação coletiva para cargas especiais (art. 235-D, §8º, da CLT): A negociação coletiva pode estabelecer especificidades na condução de cargas vivas, perecíveis e especiais, particularmente em longas distâncias.
Jornada 12×36 para motoristas (art. 235-F da CLT): A jornada de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso foi autorizada para motoristas profissionais, desde que respeitados os limites estabelecidos por lei.
Remuneração variável para motoristas (art. 235-G da CLT): A remuneração dos motoristas profissionais pode ser baseada na distância percorrida, no tempo de viagem ou na natureza e quantidade de produtos transportados, proporcionando flexibilidade no pagamento.
Cessão de veículo por Transportador Autônomo de Cargas (TAC) (do art. 15 da Lei de nº 13.103/2015): O STF autorizou que um TAC ceda seu veículo em colaboração a outro TAC auxiliar, evitando a criação de vínculo empregatício entre as partes.
Conversão de multas em advertência (do art. 22 da Lei de nº 13.103/2015): Multas administrativas podem ser convertidas em advertência, aliviando penalidades por infrações previstas na Lei de nº 12.619/2021 e no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Pontos Desfavoráveis
No entanto, a decisão do STF também trouxe o reconhecimento da inconstitucionalidade de alguns dispositivos que, embora em número menor, impactam de maneira substancial no desenvolvimento da atividade econômica de transporte no Brasil. Entre os principais pontos desfavoráveis, destacam-se:
Intervalos e descansos (arts. 235-C, §3º e 235-D, caput, §§ 1º e 2º, ambos da CLT): O fracionamento do intervalo interjornada, mesmo respeitando o período mínimo de 8 horas até então previsto, foi expressamente vedado. Isso indica que o intervalo interjonada (intervalo de 11 horas entre as jornadas diárias de trabalho) deverá ser integralmente observado. Além disso, a coincidência dos intervalos com períodos de parada obrigatória, o fracionamento do Descanso Semanal Remunerado (DSR) e seu acúmulo foram igualmente proibidos.
Tempo de espera como parte da jornada (art. 235-C, §§ 8º, 9ª e 12º da CLT): O tempo de espera agora integra a jornada de trabalho, pois o motorista está à disposição do empregador, não podendo ser dissociado de outras atividades profissionais.
Descanso do motorista, quando em dupla, com veículo em movimento: (arts. 235-D, §5º e 235-E, III, ambos da CLT): A possibilidade de descanso quando motoristas profissionais estão em duplas com o veículo em movimento foi vedada.
Após a decisão do STF, a CNTT, autora da ADI 5.322, e a Confederação Nacional do Transporte (CNT), que representa as empresas do setor de transporte e logística, apresentaram, em petição conjunta, embargos de declaração solicitando a modulação de efeitos, especialmente em razão dos imensos impactos, sociais e econômicos, advindos das mudanças decorrentes da inconstitucionalidade declarada.
Para além disso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que pretendeu agora seu ingresso como amicus curiae, ainda requereu, também mediante a apresentação de embargos de declaração, um prazo de 2 anos para transição das regras até então praticadas, prazo que, segundo ela, seria indispensável para a adaptação do setor.
Vale lembrar que, em regra, as decisões que reconhecem à inconstitucionalidade geram efeitos imediatos e retroagem no tempo (ex tunc), ou seja, é como se a lei jamais tivesse existido. É, portanto, urgente a modulação dos efeitos da decisão. Do contrário, há risco efetivo de um colapso nas atividades de transporte, de pessoas e de cargas, com consequências, sociais e econômicas desastrosas.
Por fim, importa mencionar que os desdobramentos dessa decisão continuarão a ser acompanhados de perto, sendo fortemente recomendado que empregadores e empresas de transporte estejam atentos às mudanças e busquem orientação jurídica para observar e fazer cumprir as novas regras.