A Lei 11.101/05 (LREF) trata de vários institutos: recuperação judicial, (ordinária, especial), recuperação extrajudicial e institutos complementares que existem historicamente (como restituição, ineficácia etc.). Dois institutos são proeminentes na LREF: recuperação de empresas e falência.
O modelo falimentar que temos é do início do século 20, com a Lei 2.024, de 1908, projeto de Paranhos Montenegro, em linhas gerais, todos os institutos falimentares que lá existiam, persistem até hoje. Vale consignar o Decreto 7.661/45 que também tratava do instituto da falência e com o advento da LREF, o instituto da recuperação de empresas substituiu a revogada concordata.
Recentemente, ganha notoriedade o instituto da recuperação judicial (fruto da publicação de grandes casos como Oi, Americanas, Gol, 123Milhas etc.), que obviamente decorre da crise econômico-financeira e estagnação econômica que assola o país. As empresas deixam à margem o instituto da falência, quiçá a autofalência, como se ambas fossem uma “punição”, e não um mecanismo legal de também preservar a empresa.
A peculiaridade de ambos os institutos é que se voltam e são úteis ao mercado, e não apenas às empresas consideradas isoladamente.
O próprio art. 47 (LREF) apresenta a finalidade da RJ, que é clara: manter a fonte produtora, empregos e interesse dos credores. Os dois destinatários diretos do dispositivo, em certa medida, dizem respeito aos agentes econômicos, operantes no mercado, e somente nele fazem sentido.
A falência, por outro, (art. 75), visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa.
Ora, o que os dois institutos e artigos mostram são as razões pelas quais existem, cada qual com as suas peculiaridades e consequências, mas é inegável a análise do ambiente de negócios onde se instala e concretiza.
Assim, o julgador se depara com esses dois institutos quando lhe é apresentado caso de crise econômico-financeira confessada.
Não é apenas uma questão de preservação de negócio empresarial, deve-se olhar e/ou ressignificar o princípio da preservação da empresa em seu aspecto funcional: a preservação daquela atividade empresarial para o mercado e não para si mesma (considerado o perfil subjetivo, aquele que a administra – pessoa física ou jurídica).
Cumpre esclarecer que existem dois momentos nesse processo: O processamento do pedido de recuperação judicial, com análise de requisitos formais (art. 48 e 51, LREF) e, segundo a decisão concessiva, ou não, do plano de recuperação judicial seguido de Assembleia Geral de Credores (art. 56, LREF).
A concessão exagerada de recuperações judiciais – mesmo que com o aval dos credores via assembleia – em certa medida, preserva as empresas, mas potencialmente compromete o mercado, uma vez que o efeito (período de stay, deságio, inadimplemento, carência etc.) impacta os trabalhadores, fornecedores, consumidores, fisco, e todos aqueles com vínculos com a devedora. Então pode se afirmar que se trata de compartilhamento de riscos e prejuízos.
Se o instituto da recuperação for usado de modo desenfreado (na minha opinião, entre outros, o caso da Oi) é inegável o reflexo nos demais agentes econômicos, inclusive e sobretudo, instituições financeiras que certamente irão repassar o risco (em forma de encargos, taxas etc.) aos consumidores, usuários do serviço financeiro.
Nesse sentido, não se pode negar uso do instituto da falência, quiçá com mais frequência, uma vez que, ao preservar e otimizar a utilização produtiva da empresa, com isso a empresa (em seu perfil funcional) pode ser preservada em mãos de outra empresa mais hábil e competente.
Por isso, “dois institutos, dois pesos e duas medidas”, trata-se de considerar o uso mais frequente do instituto da falência para empresas que se mostram inviáveis economicamente, um bom indício são casos de recuperandas que não alcançam a finalidade (soerguer), ou ainda, valem-se da recuperação mais de uma vez, obtendo o deságio do deságio.
Ora, se o instituto da recuperação e/ou o seu plano de soerguimento não foi suficiente, significa e/ou é um indício de inviabilidade econômica, por conseguinte, a falência seria o ato seguinte para mitigar prejuízos aos credores e ao mercado. E, na minha opinião, permitir que outros agentes do mercado possam tentar viabilizar a empresa ainda viável e recuperável, utilizando de outros recursos e expertise.
A falência é o modelo/peso ideal? Depende! Mas que é um meio/peso legal, isso sim! Portanto, ao se ter duas unidades de medida – “dois institutos, dois pesos e duas medidas” –, não há razão para se fazer uso frequente apenas de um deles, sob pena de desequilíbrio permanente.