Para o Brasil, a notícia mais importante da semana que termina não vem do Oriente Médio, tampouco de Brasília, onde o Senado Federal aprovou a reforma tributária. Nem mesmo a reunião imprópria entre o embaixador de Israel e o inelegível Jair Bolsonaro (PL) é páreo em termos de relevância política perto do que se passou em São Paulo. No esteio do apagão causado pelo coquetel de mudança climática com incompetência administrativa-política, bolsonaristas prometeram ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proposta de privatização da Sabesp, a companha paulista de saneamento básico, avançada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), afilhado político do ex-presidente.
Existe uma direita preocupada com a soberania do Brasil. E a Sabesp é um ativo estratégico do país”, afirmou Fabio Wajngarten, que comandou a comunicação do governo Bolsonaro e hoje advoga para o ex-presidente. Wajngarten estaria por trás de um grupo de empresários e advogados dispostos a ir à suprema corte contra a venda da Sabesp à iniciativa privada em nome dos consumidores e da soberania nacional.
A argumentação bolsonarista reflete o estatismo defendido pelo ex-presidente até ele ter ingressado na campanha vitoriosa de 2018, além das tendências atuais em que políticos dos mais diversos matizes engajam-se na forma mais enfática no intervencionismo econômico a fim de proteger a sociedade e a nação de riscos. Alinhados às teses de Wajngarten, deputados estaduais paulistas do PL já ensaiam uma aliança implícita com o PSol. Guilherme Cortez, representante do partido no legislativo paulista, já havia protocolado em 1º de novembro um mandado de segurança no Tribunal de Justiça de São Paulo contra os trâmites do processo de privatização, os quais violariam dispositivos da Constituição Estadual.
A ação bolsonarista marca a ruptura entre dois segmentos da direita brasileira: os ditos liberais na economia que fizeram uma aliança tácita com o núcleo duro de apoiadores dos ex-presidentes — a bancada BBB, as iniciais do trio Bíblia, bala e boi. A exclusão deste último pilar da extrema-direita do campo liberal pode provocar surpresa em boa parte dos leitores. Porém, o agro é liberal até a página dois — pense na reação de produtores de todos os portes e da Frente Parlamentar de Agricultura no Congresso caso o governo propusesse o fim ou até mesmo a redução de empréstimos subsidiados ao setor via Banco do Brasil, no contexto do Plano Safra.
Bolsonaro não deve ter ganhado nenhum voto com a autorização de saída dos brasileiros retidos em Gaza — há quem diga que o ex-presidente vai levar a fama dessa ação diplomática por ter se encontrado com o embaixador israelense na véspera do dia 10 de novembro, quando estava prevista a entrada do grupo no Egito. Quem gosta do “mito” está com ele de modo incondicional. Quem o odeia, não passará a adorá-lo por conta dessa coincidência. A mesma lógica aplica-se ao bolsonarismo estatizante, filho direto do autoritarismo da Ditadura Militar. O bolsonarista raiz não vai deixar de digitar 22 (ou qualquer outro número caso Bolsonaro siga sua sina de 30 anos na política e troque de partido) quando o ex-presidente voltar a poder concorrer. O liberalismo econômico sempre foi um detalhe no antipetismo que fomentou a extrema-direita.
Assim, na persistente polarização da política nacional, para representar a direita, o bolsonarismo raiz tem mais força que os liberais contra o centro e a esquerda, os quais tendem a convergir ainda em torno do PT nos próximos ciclos eleitorais. Tarcísio ou outro governador dito liberal, como o mineiro Romeu Zema (Novo), têm chances de chegar a Planalto apenas se continuarem a ser o que os liberais têm sido desde 2018: linha auxiliar do bolsonarismo. A República do Sapatênis segue apenas como um sonho distante. Haja sola de calçado para chegar até lá — e olha que, com o persistente protecionismo da nossa indústria, comprar um novo par não é nada barato. Pena que de nada ajudem os patinetes elétricos dos farialimers.