No dia 24 de janeiro celebramos mais um ano da centenária Previdência Social no Brasil. Mas a sua sobrevivência é incerta. O Decreto 4.682, marco embrionário da Previdência Social, criava para cada uma das empresas de estradas de ferro existentes no país uma Caixa de Aposentadoria e Pensões. Atualmente, a Previdência Social é um dos componentes do tripé da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e a Assistência Social.
O conjunto de regras que estabelecem os direitos e deveres relacionados à Previdência Social são estabelecidos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o gestor do regime. De suma importância para a sociedade brasileira, infelizmente, o RGPS carece da devida atenção.
O regime está combalido e caminha tropegamente. Não deveria ser assim. É cediço que os benefícios previdenciários, em geral, constituem-se como a única fonte provedora de recursos de um sem-número de lares, na casa dos milhares. Isso, por si só, já justificaria a existência e preservação da Previdência Social. Mas não é só isso, os valores despendidos são cruciais na vida das pessoas, evitando a fome, a pobreza extrema, a mendicância – evitando, enfim, a miserabilidade. De tal sorte, celebramos o centenário da Previdência Social, mas aqui, cabe a pergunta; o que estamos fazendo para protegê-la e preservá-la? Sigamos.
As contas do RGPS estão no vermelho. A arrecadação ano a ano se mostra insuficiente para suprir os benefícios pagos; havendo, inclusive, um aumento real no percentual do déficit. O rombo registrado em 2022 atingiu R$ 261,2 bilhões, um aumento de 6% em relação ao ano anterior, que teve déficit de R$ 247,3 bilhões.
Segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social, “no mês de outubro de 2023, a arrecadação líquida do INSS (que corresponde aos recebimentos próprios deduzindo-se as transferências a terceiros) foi de R$ 48,4 bilhões. Por outro lado, a despesa com os benefícios do Regime Geral de Previdência Social foi da ordem de R$ 67,4 bilhões. Em termos líquidos, o resultado primário do RGPS neste mês ficou negativo em R$ 18,6 bilhões”.
No período de janeiro a setembro de 2023, a Previdência Social registrou déficit de R$ 251 bilhões (a preços de setembro de 2023). Este déficit cresce anualmente. Nada está tão ruim que não possa piorar. E o ritmo acelerado de envelhecimento da população brasileira contribui para isso.
Em novembro último, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados relativos ao Censo de 2022. Os números não mentem. O Brasil está envelhecendo, e rápido. Segundo o órgão, o número de idosos aumentou em 57,4% desde 2010. O total de pessoas com 65 anos ou mais saltou de 14.081.477, em 2010, para 22.169.101 em 2022, perfazendo, atualmente, 10,9% da população.
Este envelhecimento conjugado com o aumento da expectativa de sobrevida pressiona sobremaneira o RGPS. Regimes de Repartição Simples, como é o RGPS, não são adequados para a estrutura demográfica do Brasil de hoje. O regime precisará de mais recursos financeiros para acomodar e custear este bônus etário, bem como, criar novas bases para o seu financiamento. Teria o Microempreendedor Individual (MEI) condições de carrear mais recursos financeiros para o RGPS?
Segundo o Mapa das Empresas – Boletim do 2° quadrimestre de 2023, o MEI é responsável por 58,1% dos negócios ativos no país. Ademais, representa 74,9% das empresas abertas no segundo quadrimestre de 2023. Informa, ainda, que “no total são 12.717.161 de MEIs ativos no país”.
Em 2018, na Carta de Conjuntura 38 – 1° Trimestre de 2018 Nota Técnica 01 – Os Desequilíbrios Financeiros do Microempreendedor Individual (MEI), Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Previdência Social, argumentava que “o MEI envolve um elevado desequilíbrio do ponto de vista atuarial e financeiro para o RGPS”. A contribuição quase simbólica de apenas 5% do salário mínimo certamente é insuficiente para garantir, do ponto de vista atuarial, o financiamento das despesas com benefícios previdenciários que serão geradas.
Em termos nominais, um ano de pagamento de benefícios para o MEI (13 salários mínimos) exigiria quase 22 anos de contribuição (21,7 anos de contribuição de 60% do salário mínimo). Recentemente, o mesmo especialista estimou o déficit atuarial dos microempreendedores individuais em R$ 1,4 trilhão. Um buraco enorme está sendo cavado. O MEI precisa ser reestruturado. A mencionada contribuição simbólica do MEI e a desoneração da folha de pagamentos tem uma certa similaridade.
A desoneração da folha de pagamentos foi implementada no governo da presidente Dilma Rousseff. Era para ser temporária, mas subsiste desde então. Visava diminuir os encargos tributários e aumentar a geração de empregos. Este objetivo não foi atingido. Segundo o Ipea, “os setores beneficiados não são os maiores empregadores e, de 2012 a 2022, reduziram sua participação na população ocupada (de 20,1% para 18,9%), entre os ocupados com contribuição previdenciária (de 17,9% para 16,2%) e entre os empregados com carteira assinada do setor privado (de 22,4% para 19,7%)”. Movimento similar é observado nos últimos dez anos com dados disponíveis da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
Alheio a argumentações contrárias, o Congresso aprovou em outubro a extensão da desoneração até 2027. Em novembro, o texto foi vetado integralmente pelo presidente Lula. O Congresso, porém, derrubou o veto em dezembro. Com isso, a lei foi promulgada no dia 28/12/2023, sem a assinatura do chefe do Executivo. Ato contínuo, o governo editou a MP 1202, de 28 de dezembro de 2023, prevendo a reoneração parcial da folha de pagamentos. Por ter força de lei, a MP revoga a lei promulgada. No entanto, a desoneração seguirá válida até a data em que a nova norma, ou seja, a MP produzir efeitos, em 1º de abril.
Os atos de pugilismo entre governo e Congresso tendem a arrefecer e um estado de consenso será alcançado. As discussões continuam. Sabemos, no entanto, que a desoneração precisa ser repensada ou novas formas de financiamento do RGPS precisam ser implementadas.
Os constantes déficits previdenciários, as pressões demográficas ventiladas, a necessidade de reestruturação do MEI, uma discussão serena acerca da desoneração da folha de pagamentos e novas formas de financiamento do RGPS, dentre outros, são tópicos de debates que precisam ser tratados com responsabilidade, objetivando proteger e preservar o RGPS. Estas discussões não podem ser procrastinadas. O tempo urge. Não se concebe que o RGPS padeça dos recursos necessários para fazer cumprir seus objetivos. É preciso conscientizar o governo, os agentes econômicos e os parlamentares de que o RGPS está em crise e que o seu cofre não é um saco sem fundo.
Almejamos um Ano Novo profícuo em que esses problemas que acometem o RGPS sejam resolvidos satisfatoriamente a fim de proteger e preservar um dos pilares da Seguridade Social.