A Emenda Constitucional 125, promulgada em 14 de julho de 2022, altera o artigo 105 da Constituição da República Federativa do Brasil, porquanto passa-se a exigir que o recorrente demonstre, na petição de recurso especial, a relevância das questões de direito federal infraconstitucional que pretende sejam objeto de juízo de valor pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A mens legis da referida Emenda Constitucional 125, segundo relatora no Congresso Nacional, é “descongestionar o sistema de justiça, reduzindo o número de recursos especiais junto ao Superior Tribunal de Justiça, mediante a imposição de um novo requisito que servirá como filtro de acesso”.
Acresceu-se o § 2º ao artigo 105 da Constituição da República Federativa do Brasil, para instituir no recurso especial o requisito da relevância das questões de direito federal infraconstitucional, como condição de admissibilidade dele, in verbis:
“No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento”.
Portanto, no que tange à competência, o juízo de valor acerca da inexistência de relevância competirá ao órgão colegiado (Turma) do Superior Tribunal de Justiça, jamais de um juízo monocrático, por se exigir a manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros para não conhecer o recurso por ausência de relevância da questão federal, conforme reza o já transcrito § 2º do artigo 105, da Carta Magna.
Aduza-se que a admissão recursal não se resume à demonstração da relevância, sendo necessário demonstrar igualmente todos os outros pressupostos recursais, gerais e específicos, para acesso à via superior, conforme pontua o próprio Superior Tribunal de Justiça, de forma, inclusive, didática:
“A admissão recursal pressupõe a presença dos requisitos genéricos de admissibilidade, sejam os relativos à própria existência do poder de recorrer (intrínsecos) – cabimento; legitimidade; interesse – sejam os relativos ao exercício do direito de recorrer (extrínsecos) -tempestividade; preparo; regularidade formal; e inexistência de fato impeditivo ou extintivo. Ademais, é de perscrutar os requisitos específicos de admissibilidade, a saber: esgotamento prévio das vias ordinárias; imprestabilidade para a mera revisão da prova; prequestionamento; dissídio jurisprudencial; e, em sendo o caso, repercussão geral, no Recurso Extraordinário, e relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas, no Recurso Especial.” (STJ. AREsp n. 2.220.206, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 30/11/2022.)
Pontue-se, ademais, que o legislador, no parágrafo subsequente (§ 3º), igualmente acrescido ao artigo 105, preocupou-se em dispor, expressamente, acerca dos casos em que a relevância é presumida e, assim, não precisa sequer ser demonstrada pelo recorrente na petição recursal.
Eis, para tanto, os casos em que há presunção ex lege, como se depreende do mencionado § 3º, in verbis:
“Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos: I – ações penais; II – ações de improbidade administrativa; III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; IV – ações que possam gerar inelegibilidade; V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça; e VI – outras hipóteses previstas em lei”
Sobre a questão, ganha destaque o seu inciso III, que dispõe haver relevância presumida nas ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos, podendo o recorrente atualizar o valor da causa para os fins de chegar-se a este montante.
Há que se pontuar, contudo, que a possibilidade do recorrente atualizar o valor da causa para garantir a presunção de relevância, daria azo a incidentes de impugnação ao valor da causa na instância excepcional, pois a parte contrária, arcaria com eventual sucumbência incidente no novo valor, o que transformaria o STJ em terceira instância, a desvirtuar a sua função constitucional, agredindo-se, sobretudo, a razoável duração do processo (artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal).
Veja, igualmente, que além das cinco hipóteses acima previstas pelo legislador, nos termos do inciso VI, há possibilidade de relevância presumida em “outras hipóteses previstas em lei”. Ou seja, não são incisos taxativos, podendo legislação infraconstitucional ou mesmo a jurisprudência definir novas situações de dispensa do requisito da relevância para admissibilidade do apelo excepcional.
Importante acrescer que a relevância como pressuposto de admissão do recurso especial é exigida apenas nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional em voga (artigo 2º, da Emenda Constitucional 125),
Assim a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido:
“O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado em data anterior à publicação da Emenda Constitucional nº 125, não se aplicando ao caso o requisito de admissibilidade por ela inaugurado, ou seja, a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional”.[1]
Pondere-se, contudo, que o mencionado requisito de admissibilidade – relevância da questão de direito federal infraconstitucional – ainda depende de regulamentação no Código de Processo Civil de 2015, a cargo do Poder Legislativo, bem como no Regimento Interno do STJ, conforme já decidiu o Plenário do Superior Tribunal de Justiça, a saber:
“Com efeito, o Plenário deste Superior Tribunal aprovou, em 19/10/2022, o Enunciado Administrativo n. 8, cuja redação é a seguinte: ‘A indicação no recurso especial dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no art. 105, § 2º, da Constituição Federal.’ Nesse vértice, até que sobrevenha a lei regulamentadora, não pode a Corte de origem valer-se da ausência de demonstração da relevância como ratio decidendi para inadmitir o seguimento do recurso especial. Assim, devem os autos retornar à origem para que seja feito novo juízo de admissibilidade” (STJ. AREsp n. 2.220.206, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 30/11/2022.)
Igualmente:
“O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado em data posterior à publicação da Emenda Constitucional nº 125. Assim, em conformidade com o Enunciado Administrativo nº 8/STJ, não se aplica ao caso o filtro de relevância inaugurado pela EC 125, ou seja, não se exige como requisito de admissibilidade a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional”. (STJ. AREsp n. 2.264.639, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 27/02/2023.)
Portanto, a questão da relevância ainda não tem sido exigida pelo Superior Tribunal de Justiça, por falta de regulamentação.
O 105, § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil, como condição de admissibilidade do recurso especial, não há pressuposto de ultrapassagem dos interesses subjetivos da causa, podendo ser superada até com base no mero valor da causa ou mesmo dispensada, nas hipóteses de presunção legal de relevância.
Sem esgotar o tema, eram estas as considerações que cabiam aos articulistas, mas desde já com a preocupação que se deve ter quando diante de novos mecanismos aptos a criar barreira à via superior, por se consubstanciar novo empecilho de acesso ao STJ, que é órgão guardião do direito federal infraconstitucional, que comumente é rechaçado e vulnerabilizado, por má aplicação e má interpretação, por tribunais regionais e estaduais.
[1] AgInt no AREsp n. 2.151.331/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 24/3/2023. AgInt no REsp n. 1.973.863/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023. AREsp n. 1.974.371, Ministro Humberto Martins, DJe de 02/08/2023. AREsp n. 2.300.933, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 03/08/2023. AREsp n. 2.336.033, Ministro Herman Benjamin, DJe de 07/08/2023.