A última semana do setor de energia se transformou em uma mobilização sobre uma possível medida provisória que seria publicada com uma série de prorrogações de subsídios e mudanças no setor elétrico.
Mesmo com uma minuta percorrendo grupos de conversas do setor, o JOTA PRO informou ao longo da semana passada que não era bem assim – o texto encabeçado pela Casa Civil ainda precisava do aval de pastas importantes, como a Fazenda e o Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Na noite deste domingo (26), boa parte do que viria na MP foi parar no marco legal das eólicas offshore (PL 11247/18), previsto para ser votado nesta semana no plenário da Câmara dos Deputados como parte da pauta verde às vésperas da COP 28.
Independente da escolha do governo de deixar a MP na gaveta, todos os assuntos abordados na “ex-futura” medida continuam na pauta da disputa de forças. O que pode ter morrido foi a escolha pela medida provisória como ferramenta, mas jamais a pressão política pelas alterações no setor.
Não pode ser considerado nem mesmo uma novidade.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, deixou claro em várias ocasiões que a prioridade da pasta era a modicidade tarifária e defendeu a revisão das térmicas da Eletrobras, por exemplo – só não deu detalhes de como isso seria feito.
A pressão de setores interessados em garantir prorrogação e extensão de subsídios, formulação de políticas públicas que os beneficiem e, aliado a isso, a pressão política de lideranças interessadas nessas aprovações se transformam em um conjunto forte demais para deixar morrer o mérito da possível medida provisória.
O texto prevê, por exemplo, a realocação dos recursos na legislação que permitiu a capitalização da Eletrobras. Eles seriam transferidos dos fundos setoriais, voltados às bacias hidrográficas de rios e à descarbonização da Amazônia, para reduzir os impactos tarifários de reajustes superiores a 15%.
Isso é resultado direto de pressão de lideranças políticas do Amapá, como Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Davi Alcolumbre (União-AP), que percorreram Brasília na última semana para buscar formas de amenizar o reajuste de 44% da distribuidora local. O aumento, por enquanto, segue suspenso na justiça por uma decisão liminar, mas pode ser suavizado caso o texto seja aprovado da forma como está.
Outros trechos, como recursos dos aportes da Eletrobras para custear a Conta-Covid e Conta-Escassez Hídrica, são propostas do próprio Ministério de Minas e Energia que não conseguiu ainda finalizar seu projeto de reforma do setor elétrico e resolveu aproveitar o embalo para incluir pontos considerados mais urgentes.
A pasta já sondava outros projetos de lei para isso, mas aproveitou o marco legal das eólicas offshore, por estar avançado na tramitação do Congresso, ter previsão de votação nesta semana e ainda pela facilidade de articulação com o relator, Zé Vitor (PL-MG).
O caso do gás natural e a remodelagem dos leilões das térmicas da lei da capitalização da Eletrobras, incluídos no projeto de forma detalhada, com datas para contratação e operação dos empreendimentos, é mais emblemático do ponto de vista de falta de política forte no setor de energia – o que abre espaço para que interesses específicos se sobressaiam na formação das políticas públicas.
Durante a transição de governo, a equipe coordenada então por Maurício Tolmasquim deixou claro em seus documentos que a reversão da contratação das térmicas era essencial para que não houvesse impacto no crescimento de fontes renováveis e aumentos na conta de luz por conta da legislação aprovada.
À época, chegaram à conclusão que o melhor caminho seria revogar toda a obrigação de contratação e manter apenas o que já havia sido feito no Norte em 2022, com a contratação de um pouco mais de 750 MW de térmicas em local de fácil acesso de suprimento de gás natural.
Sem alguém no Executivo disposto a tomar as rédeas para implementar não apenas essa avaliação, mas rumos definidos para uma política energética mais ampla, o Congresso Nacional e os agentes interessados resolveram fazer por conta própria, com ajuda inclusive de integrantes do governo.
É compreensível o receio do setor com medidas provisórias depois da traumática MP 579, que foi responsável por impactos tarifários enormes. Mas, em um universo de Congresso cada vez mais fortalecido e com falta de força política do governo, o que conta é o tamanho da força política do que estaria dentro dela – e não mais a edição de uma medida provisória em si.