No último dia 6 de junho, foi publicada a Portaria 532/2024 do Ministério dos Transportes, que estabelece diretrizes para prorrogações antecipadas de transporte ferroviário e tenta normatizar a devolução de trechos ferroviários, objeto de discussões quentes no setor. Dentre vários pontos de destaque, merece especial menção a institucionalização de procedimentos consensuais externos ao âmbito do próprio Poder concedente.
O art. 4º da portaria busca tornar mais claro o procedimento de estimação da indenização devida em casos de devolução de trechos, conforme autorizado pela Lei 14.273/2021. Ficou estabelecido que valor definitivo devido a título de indenização deverá ser estimado e apurado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), após proposta da concessionária no requerimento de devolução.
Chama atenção o procedimento previsto no caso de eventuais discordâncias entre a proposta da concessionária e a estimação do DNIT (art. 4º, § 3º). Inovou-se ao indicar a submissão dessas controvérsias para solução consensual de controvérsias no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU) ou da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF), da Advocacia Geral da União (AGU).
A portaria aparenta privilegiar a composição perante órgãos que poderiam questionar eventuais tentativas de autocomposição que ocorram fora do seu âmbito. A AGU, porque tem competência consultiva e capacidade postulatória para questionar os termos do acordo. O TCU, porque pode questionar e potencialmente anular os termos da autocomposição, caso identifique “eventuais irregularidades cometidas pelos órgãos públicos intervenientes na negociação”, como alertou o ministro Walton Alencar no Acórdão 597/2024-TCU-Plenário.[1]
O positivo avanço do consensualismo na administração deve estar atento às características institucionais dentro das quais o consensualismo é proposto. No caso da Portaria 532/2024, cabe questionar se a previsão de submissão ao TCU e ao CCAF, ainda que de forma não intencional, poderá causar o esvaziamento da competência do próprio regulador em fomentar o consenso na Administração Pública em prol da atuação de órgãos de controle.
Quais são, afinal, os espaços institucionais com autoridade privilegiada para pacificar consensos dentro da administração? A depender da resposta, substituiremos não só o paradigma de regulação comando-controle por uma regulação responsiva e consensual. O risco é de substituirmos a própria figura do regulador.