Na tentativa de reforçar a segurança pública, o estado de São Paulo tem sido marcado por uma série de episódios que acabam por promover ainda mais violência. As consequências das Operações Escudo e Verão são exemplos preocupantes. Criadas com o objetivo de responder a casos de violência, as ações deixaram um rastro de vítimas, como o menino Ryan – morto aos 4 anos de idade enquanto brincava na porta de casa -, os próprios policiais envolvidos na ação e a vida de comunidades e territórios já vulnerabilizados.
As mortes decorrentes de intervenção policial, que vinham apresentando tendência de queda no estado, passaram de 256 em 2022 para 650 em 2024. De janeiro a agosto de 2025, já são 496 casos, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Ao mesmo tempo, também estamos assistindo a um aumento de mortes dos próprios policiais em serviço, que cresceu 133% no mesmo período 2022-2024. O trágico assassinato do ex-delegado Ruy Fontes colocou novamente a Baixada Santista em evidência. Tanto no caso de Ryan como no de Ruy, as ações de resposta à insegurança parecem recorrer novamente apenas ao policiamento ostensivo. Operações policiais, mais ou menos violentas, que não parecem garantir proteção aos cidadãos. Nem no curto, nem no médio ou longo prazo.
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Esses dois episódios parecem distantes e sem conexão, a menos que olhemos para o território onde ocorreram: periferias e comunidades que, além de lidarem com a pobreza e a falta de políticas públicas, são os locais mais expostos à violência. Ambos também refletem uma estratégia baseada em ações truculentas e de policiamento ostensivo, resultando no aumento da letalidade policial, sem que de fato a população se sinta mais segura. Sem a garantia, também, que a vida das pessoas seja prioridade, especialmente a de crianças e adolescentes.
O relatório “As câmeras corporais na Polícia Militar do Estado de São Paulo” mostrou como o investimento nas operações ostensivas como única estratégia do governo tem convergido para um impacto direto na morte de crianças e adolescentes. O documento destaca que houve o dobro de mortes de meninas e meninos por agentes das forças de segurança quando comparados os anos de 2023 e 2024: saímos de 35 vítimas para 77. O dado é ainda mais alarmante quando se observa que crianças e adolescentes negros têm 3,7 vezes mais risco de morrer em ações policiais do que brancos. Além das câmeras corporais, que são uma importante ferramenta, e comprovadamente eficazes, outras ações de controle das forças de segurança são ressaltadas pelo relatório, como as comissões de mitigação de risco, acionadas quando há resultado de morte. Apesar do caráter não permanente, também são estratégias importantes para o controle da atividade policial e para permitir mais segurança aos próprios agentes em seu trabalho de garantir a segurança da população.
É evidente que nenhuma política de segurança pública pode depender de apenas uma estratégia ou ferramenta. Mas as medidas até então adotadas não consolidaram o uso ininterrupto das câmeras corporais, que se mostravam promissoras, com uma redução de 76% na letalidade nos batalhões que as utilizavam entre 2020 e 2022. Também não foram apresentadas outras estratégias capazes de contribuir para reduzir o número de pessoas vítimas de ações policiais. A tônica tem sido na direção oposta, e também sem efeito. Haja vista, os episódios de violência que ocupam as manchetes, a sensação de insegurança das pessoas e o principal, a morte de crianças e adolescentes.
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Para reverter este cenário, é necessário adotar uma abordagem intersetorial. A segurança pública eficaz se constrói com inteligência, prevenção e proteção integral dos direitos humanos, e não com o confronto. Soluções abrangentes incluem o uso de câmeras corporais com gravação ininterrupta, o fortalecimento de mecanismos de controle, o investimento em políticas sociais para jovens em vulnerabilidade, o combate ao racismo estrutural e o fortalecimento da rede de proteção. O poder público tem à sua disposição políticas e ferramentas que, comprovadamente, podem reduzir a violência letal e proteger a vida de todos. E São Paulo é capaz de encontrar caminhos nas políticas baseadas em evidências que priorizem a vida e o desenvolvimento pleno de cada criança e adolescente.