PSol e Rede vão ao STF para que Lei de Cotas não tenha prazo-limite de aplicação

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Em meio ao debate no Congresso Nacional sobre a renovação da Lei de Cotas raciais no serviço público, o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e a Rede Sustentabilidade acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) na última sexta-feira (17/5) para pedir que seja a declarada a inconstitucionalidade do artigo que prevê a vigência por 10 anos da atual legislação, prevista para expirar em 10 de junho.

Pedem, além disso, que seja declarada a inconstitucionalidade do inciso que prevê reserva de 20% das vagas apenas quando a oferta no edital seja igual ou superior a três vagas, de modo que não haja essa limitação. Por fim, os partidos também demandam interpretação conforme a Constituição para expandir o alcance da lei, de modo que seja aplicada não apenas nos concursos federais, como prevê seu artigo 1º, mas também em estados, municípios e processos seletivos “em que haja repasses de verbas públicas ao beneficiário”.

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O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.654 será o ministro Flávio Dino, que deverá analisar também, à pedido dos partidos, a concessão de medida cautelar para suspender a aplicação do prazo de validade da atual Lei de Cotas — de forma que ela continua a produzir efeitos — até que o mérito da ação seja julgado pelo plenário do Supremo. Leia aqui a íntegra do pedido.

O plenário do Senado aprovou na quarta-feira (22/5) a nova lei de cotas no serviço público federal (PL 1958/2021) após manobra dos parlamentares da oposição para que o projeto não fosse encaminhado diretamente para a Câmara dos Deputados depois da aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O governo corre para que a legislação seja aprovada antes do dia 10 de junho, mas espera a mesma resistência da oposição na Câmara.

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O temor do governo é que o 1º Concurso Nacional Unificado (CNU), previsto inicialmente para ocorrer no dia 5 de maio e adiado em decorrência das trágicas enchentes no Rio Grande do Sul, ocorra sem que a nova legislação esteja em vigor, o que traria insegurança jurídica. A prova foi remarcada para o dia 18 de agosto.

“Sabe-se que tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei no 1.958/2021, que prorroga e amplia a Lei de Cotas em serviço público para mais dez anos. Trata-se de situação fático-jurídica que endossa a imprescindibilidade da concessão da medida cautelar”, argumentam os advogados Raphael Sodré Cittadino, Bruna de Freitas do Amaral e Márlon Jacinto Reis, que assinam a inicial da ação.

“Caso haja a perda da vigência da Lei no 12.990/2014 em 10/06/2024 e, ultrapassado significativo lapso temporal sem a promulgação da nova Lei, sua posterior promulgação acarretará grave insegurança jurídica para os concursos em andamento ou abertos durante o período sem a cogência jurídico-normativa da política de cotas”, acrescentam. “Frisa-se que os concursos, sobretudo aqueles direcionados para seleção de autoridades judiciárias, levam anos desde a sua abertura até o seu encerramento, o que potencializa o probabilidade de serem afetados pelo período de transição”.

Fim da vigência de 10 anos da Lei de Cotas

No pedido inicial, o PSol e a Rede mostram dados e estudos para embasar o argumento de que a Lei 12.990, promulgada em 9 de junho de 2014, ainda não alcançou seus objetivos de garantir isonomia entre negros e brancos no Brasil. Também afirmam que a política de cotas raciais encontra sustentação “não apenas como objetivo constitucional, mas como dever estatal na busca pela concretização da isonomia”, além da erradicação da pobreza e marginalização, “que perpassa pela extirpação das exclusões sociais fundadas na cor da pele”.

“Nesse contexto, a limitação temporal das políticas de cotas raciais, sem a devida avaliação de seu impacto e eficácia na redução das desigualdades raciais nos últimos dez anos, configura violação ao princípio da igualdade, insculpido no art. 5o, caput, da Constituição”, argumentam os partidos. “Este princípio, conforme interpretação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, exige não apenas a igualdade formal perante a lei, mas também a promoção da igualdade material, por meio de políticas públicas que visem à correção de discriminações históricas e sociais”.

Além de evocar a Constituição, os partidos destacaram o compromisso do Brasil em instituir políticas públicas de combate à discriminação racial por meio da ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo em 2022, passando a ter status de emenda constitucional. “A Convenção Interamericana instituiu nova moldura normativa para a reafirmação das políticas raciais inclusivas, possibilitando a ampliação e reanálise de entendimentos quanto à temática das políticas raciais pelas Cortes Superiores”, argumentam.

Dessa forma, o artigo determinando o prazo-limite de vigência da Lei de Cotas, dizem os partidos, “não se coaduna com os explicitados artigos constitucionais de combate ao racismo e, sobretudo, o artigo mostra-se não recepcionado pela Convenção Interamericana contra o racismo, que possui status de norma constitucional”.

Também afirmam que o Congresso Nacional, ao aprovar nova Lei de Cotas para o ensino superior em 2023, instituiu avaliação a cada 10 anos da política de reserva de vagas. “Depreende-se que, ao vislumbrar a necessidade de reavaliação periódica do programa de acesso ao ensino superior, igual regramento deve ser aplicado à reserva de vagas em concursos públicos, cuja imposição é medida que garante a coerência e simetria das políticas socioafirmativas”, afirmam.

“Em que pese a proximidade do fim da vigência da política, o fato é que não foi realizado estudo – pelos órgãos governamentais – quanto aos avanços alcançados, nem sobre os impactos de sua extinção – pesquisa que é indispensável, conforme determina o citado art. 12 da Convenção”, acrescentam.

Por fim, os partidos também argumentaram que a suspensão de novos concursos públicos durante a pandemia de Covid-19 e a prorrogação da validade de concursos já realizados, mediante a suspensão da contagem de prazos, afetaram os resultados obtidos pela Lei de Cotas nos últimos 10 anos. “Nesse sentido, inegável que a política não surtiu os efeitos desejados também em razão deste fator externo e imprevisível ao legislador. Portanto, a prorrogação da política reserva de vagas é necessária. Ao menos, deve-se compensar os anos perdidos em decorrência da pandemia”, explicam.

Editais com menos de 3 vagas

O PSOL e a Rede também afirmam que o inciso 1º do artigo 1º da Lei de Cotas, que determina que a reserva de vagas será aplicada nos concursos com três ou mais postos de trabalho, “viola a Constituição”. Para os partidos, “o limite legal previsto inviabiliza a efetiva implementação da Política de Cotas para determinados cargos públicos que, historicamente, jamais oferecem mais de duas vagas por edital”.

“Nesse sentido, a declaração de inconstitucionalidade possibilita a alternância de vagas, permitindo a reserva mesmo nas hipóteses em que os concursos disponibilizam menos de três vagas”, explicam na ação protocolada no Supremo.

Os partidos também trazem uma sugestão para a resolução do problema, por meio do controle das vagas ofertadas ao longo do tempo. “Enquanto em um primeiro concurso aberto com duas vagas não houve a reserva para candidatos negros, o próximo, do mesmo Instituto, obrigatoriamente, realizaria a reserva, ainda que disponibilize apenas uma vaga. Dessa forma, pela série histórica, seria possível implementar a política, respeitando o parâmetro de 20% já aplicado nos concursos em geral”.

Para as siglas, esse critério “evitaria a ocorrência de fraudes, ao impedir que sejam abertos editais com apenas duas vagas – com o exclusivo intuito de afastar a política de cotas – e, logo após, seja publicado novo edital com novas vagas, promovendo, ao final, o afastamento da ação afirmativa”.