Prorrogações contratuais de concessões e defesa da concorrência

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Ao julgar a ADI 3497/DF, o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou em junho de 2024 a constitucionalidade da prorrogação dos contratos de concessão e permissão para obras e serviços públicos dos portos secos. Antes disso, no julgamento da ADI 7048, o STF já tinha declarado constitucionais os decretos do estado de São Paulo que renovaram a concessão do serviço de transporte coletivo entre a capital e cidades do ABC e exigiram contrapartidas para a prorrogação antecipada.

Alguns aspectos foram destacados pelo Supremo na última decisão para legitimar o prolongamento, confirmando pontos da decisão anterior: i) fixação de prazo máximo; ii) juízo discricionário de conveniência e oportunidade na prorrogação; iii) os contratos prorrogados devem ter passado pelo processo de licitação. Enfim: deve ter havido concorrência antecedente pelo ativo para que ele possa vir a ser outorgado em extensão para agente econômico incumbente. Eis o ponto principal do presente texto.

Quando se trata de reapreciação e prorrogação dos contratos de concessão, dois temas de concorrência permeiam a avaliação da administração. No primeiro caso, da reapreciação, existe o entendimento de que a administração não pode comprometer os incentivos do processo licitatório, alterando substancialmente o contrato ao reapreciá-lo.

O que isto significa? Que mexer nas obrigações e condições financeiras poderia caracterizar uma espécie de burla do processo licitatório. A competição entre os então pretendentes da concessão. Se os outros competidores derrotados tivessem a perspectiva de uma alteração significativa dos termos do contrato durante o seu cumprimento, eles poderiam ter feito lances e propostas distintas.

Eis um dos argumentos centrais de quem prima por interpretações mais rígidas acerca de alterações nos contratos de concessão. Prefere-se, de regra, adotar uma postura mais conservadora, mitigando modificações, mesmo sabendo que a segurança contratual se presta a garantir a mutabilidade do negócio jurídico firmado (MOREIRA, Egon Bockman, 2022, p. 34). Há no caso lastro interpretativo pensando na concorrência havida no passado. 

Outro ponto diz respeito às vantagens ou não de uma prorrogação contratual. Quem advoga por uma nova licitação, afirma que a chegada de mais competidores pode trazer novas perspectivas para a exploração do ativo, além de mais vantagens econômicas para o Poder Público. Fala-se da prevalência do princípio da prévia licitação, da legalidade, da isonomia, da moralidade e da impessoalidade. (Votos Vencidos na ADI 7048). Aqui, quem advoga pela não prorrogação, fixa-se em melhores opções de uma competição futura. 

Como destacou o STF, todavia, e sua corrente majoritária, especificadamente em relação à prorrogação, esta também contempla objetivos da lei, como a continuidade do serviço e melhoramentos sem solução de continuidade. E isso após uma avaliação fundamentada de quais aspectos tornam a prorrogação uma boa opção. 

O fato que precisa ser destacado, com base na avaliação do STF, é que a previsão de prorrogação de um contrato, tal qual a reapreciação, é algo conhecido desde a primeira competição entre os agentes econômicos. Trata-se de instrumento de segurança jurídica e rivalidade para a busca pelo ativo desde a sua expectativa de outorga. O que não pode, como destacou o tribunal, é a prorrogação de contratos que não passaram por procedimento de competição.

Nesse caso, sim, o simples fato de já haver um incumbente pela prestação do serviço contemplaria aspectos de continuidade, mas sem qualquer respaldo à exigência de concorrência prevista na Constituição. “Se por um lado há aspectos de interesse público atrelados à infraestrutura, a possiblidade de competição e participação de vários agentes econômicos encerra um dever geral de regularidade concorrencial” (Araujo, Gilvandro e Guimarães, Marcelo, 2023, p.30).

Nunca podemos perder de vista, contudo, que sendo a concorrência um princípio instrumental para a consecução dos objetivos do serviço público, parece acertada a posição do STF, a qual indica: i) sempre deve haver concorrência. Ou antes, no contrato que previa a possiblidade de prorrogação; ou depois. Se algum agente econômico explorava ativo sem que a outorga tivesse sido transferida após concorrência, não pode haver prorrogação. Deve haver nova licitação. ii) o Poder Público, por outro lado, deve sempre avaliar eventual prorrogação. Se a exploração da concessão não se afigura virtuosa, as razões para prorrogar tendem a ser frágeis; por outro lado, se a concessão vai em bom rumo, inclusive com mais sinergias para uma exploração dinâmica do ativo, a prorrogação pode ser o melhor caminho, não havendo qualquer razão do ponto de vista concorrencial para inviabilizar a prorrogação.