Vigente desde o início de setembro, a Operação Declara Grãos, deflagrada pela Receita Federal, tem por objetivo fiscalizar as declarações de Imposto de Renda dos produtores rurais pessoas físicas no Brasil. Realizada no âmbito do Programa Nacional de Conformidade Tributária, a operação faculta aos produtores notificados a possibilidade de autorregularização de potenciais inconsistências apuradas na declaração. O objetivo é nobre e a ideia de possibilitar a regularização sem aplicação de penalidades é extremamente válida, porém há algumas questões a serem analisadas com atenção no âmbito da operação.
Em breves linhas, as supostas inconsistências apuradas pela Receita Federal no cruzamento de dados entre a declaração e o Livro Caixa, especialmente o digital, gerarão uma notificação ao produtor rural pessoa física, que terá até sessenta dias para corrigir eventuais equívocos sem a aplicação de multas pelo Fisco federal, que podem atingir até 225% do valor do IR devido. Como aproximadamente 98% dos produtores rurais no Brasil são pessoas físicas, de acordo com dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e considerando que muitas informações apresentadas podem conter divergências, especialmente em função de erro humano, é bem possível que um substancial contingente de produtores venha a receber ou já tenha recebido as notificações via Correios ou na Caixa Postal Eletrônica do ambiente e-CAC.
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Afora questões de informações de receitas e despesas, outro objetivo da operação é identificar eventuais inconsistências em operações envolvendo os contratos agrários típicos de arrendamento e parceria, cuja base legal remete ao Estatuto da Terra de 1964. Do ponto de vista tributário, as operações de parceria são mais vantajosas, com tributação efetiva que pode somar 5,5% sobre a receita líquida, dada a natureza de receita de atividade rural, contra uma tributação pelo IR de até 27,5% sobre as receitas de contratos de arrendamento. Como a diferença é substancial, algumas operações são tratadas formalmente como parcerias rurais, quando na realidade detêm todas as características de uma operação de arrendamento rural. É essa inconsistência, além de outras questões, que a Receita Federal busca identificar.
O que não se nega é que a fiscalização, pelo Fisco federal, da tributação da atividade rural realizada pelas pessoas físicas sempre foi complexa e desafiadora. São muitas as informações imputadas manualmente na declaração de ajuste anual, o que abre espaço para equívocos e desatenções. Também, historicamente, a até recentemente desnecessária transmissão do Livro Caixa ao Fisco federal dificultava o acompanhamento dos dados e a fiscalização dos números apresentados. Com o advento de declarações eletrônicas, especialmente nos últimos anos, e com a implementação de projetos-piloto em regiões do Brasil com forte presença dos agronegócios, foi possível à Receita Federal desenvolver modelos e sistemas modernos de acompanhamento e cruzamento de informações, o que elevou naturalmente a identificação de inconsistências nas declarações em questão. A Operação Declara Grãos é fruto dessa curva de aprendizado e desenvolvimento de mecanismos de controle e fiscalização.
Há determinados contornos do cenário socioeconômico e político que nos ajudam a entender a razão desse recrudescimento da fiscalização sobre o setor. O primeiro é a necessidade premente de arrecadação de receitas extraordinárias pelo Governo Central, dada a agenda de gastos crescente, uma característica comum aos governos de centro-esquerda em todo o mundo. O agronegócio, como um importante motor da economia nacional, acaba se tornando um alvo óbvio. O segundo, mas não menos importante, diz respeito aos embates políticos envolvendo o setor e o Poder Executivo federal, que acabam resultando em um cenário em que bater no setor se torna bonito para as bases e gerador de dividendos políticos interessantes – a famosa “briga que se pode comprar”.
Aqui, vale destacar um ponto importante: é plenamente legítimo o Fisco federal focar suas atenções para determinados setores da economia e operações específicas, conforme a ocasião. É assim que as coisas funcionam no mundo e o Leão, que não tem como, até o momento, fiscalizar tudo e todos ao mesmo tempo, acaba privilegiando determinados casos. O que não deveria, contudo, é o Fisco federal focar em determinado setor – no caso, os agronegócios – em função de questões puramente políticas ou apenas em razão da relevância e o dinamismo desse segmento para a economia brasileira. Nesse caso, focar a lupa e apontar os canhões para os agronegócios seria uma espécie de punição pelo sucesso do setor. Torcemos para que as motivações para a deflagração da operação não guardem qualquer relação com as hipóteses acima.
O importante, contudo, é o produtor rural pessoa física, tanto aquele que porventura já tenha sido notificado pela Receita Federal quanto aquele que pode vir a sê-lo, não perder o sono desnecessariamente. Isto porque a notificação não necessariamente indica que há algo de errado com a declaração. Pode ser que tenha havido uma mera inconsistência ou desencontro de informações. Ademais, ainda que haja algum equívoco ou desalinhamento de entendimento entre Fisco e contribuinte, poderá a questão ser corrigida sem a aplicação de penalidades ou, no limite, ser contestada em processo administrativo ou judicial, com suspensão da exigibilidade do crédito tributário enquanto analisado o mérito da discussão. O devido processo legal é uma garantia constitucional ao contribuinte, e não seria diferente no âmbito da operação aqui abordada.
Assim, algumas conclusões podem ser obtidas: (i) o produtor rural pessoa física que identificar alguma inconsistência em sua declaração ou no Livro Caixa, relacionada, especialmente, às informações sobre despesas, receitas e sobre contratos de arrendamento e parceria rural, poderá regularizar a situação antes ou após eventual notificação da Receita Federal no âmbito da Operação Declara Grãos; (ii) caso haja a regularização no prazo regulamentar, fica o contribuinte eximido do recolhimento de multas aos cofres da União, com substancial economia fiscal; e (iii) na hipótese do contribuinte não concordar com o entendimento do Fisco federal, poderá o produtor rural contestar essa posição pelas vias administrativa ou judicial, a que for mais indicada para cada situação. Dessa forma, uma notificação do Fisco federal no âmbito da operação aqui analisada não significa, necessária e automaticamente, a realização da sonegação. Cada caso deve ser analisado individualmente.
Portanto, é importante que o produtor rural pessoa física fique atento à sua caixa postal, física e eletrônica, e, caso venha a ser notificado, busque regularizar os dados ou contestar o entendimento da Receita Federal pelas vias legais adequadas e cabíveis. A conformidade fiscal, da qual emana a operação em questão, é um avanço na relação entre contribuinte e Fisco e deve ser encarada como uma oportunidade, caso de fato haja alguma inconsistência a ser regularizada.