Os processos administrativos relacionados à Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) serão analisados pela 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A informação é do presidente do tribunal, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, com exclusividade ao JOTA. Segundo o presidente, o encaminhamento faz sentido pelo fato de os colegiados, hoje, serem responsáveis pelo julgamento, entre outros, de casos sobre PIS, Cofins e IPI – tributos que serão substituídos pela CBS.
A informação, entretanto, foi recebida em tom de surpresa por conselheiros ouvidos pelo JOTA, que salientaram que a nova competência resultará em um maior volume de processos. Mesmo com o fim do PIS e da Cofins e com o término parcial do IPI, os contribuintes poderão ser autuados pelos próximos cinco anos. Espera-se que casos sobre os tributos atuais continuem em tramitação no Carf pelo menos pelos próximos dez anos.
Paralelamente, especialistas criticam a estrutura criada pelos PLPs 68/24 e 108/24, que regulamentam a reforma, para o julgamento dos processos administrativos. De acordo com as propostas, enquanto a CBS será analisada pelo Carf, o IBS será de competência de um novo tribunal, que contará com a participação de representantes dos contribuintes em apenas uma das três instâncias de julgamento.
Surpresa entre conselheiros
O encaminhamento de processos sobre a CBS à 3ª Seção do Carf significa que os casos sobre a nova contribuição serão julgados por 11 turmas no conselho. Hoje a 3ª Seção é composta por 68 conselheiros, que se dividem entre oito turmas ordinárias, duas turmas extraordinárias (que analisam processos de até 2.000 salários mínimos) e uma Câmara Superior.
Os julgadores do Carf consultados pelo JOTA se surpreenderam com a informação de que os casos sobre IBS ficarão com a 3ª Seção. Para alguns, seria necessário o aumento do quadro de conselheiros, para evitar sobrecarga.
Por outro lado, os julgadores consideraram que a experiência no julgamento dos atuais tributos já fornece aos conselheiros a bagagem necessária para analisar os casos de CBS. “Estamos acostumados a julgar a complexa sistemática das contribuições”, afirmou ao JOTA um julgador da 3ª Seção.
PLPs
O julgamento administrativo do IBS e da CBS é uma das maiores polêmicas dos PLPs 68 e 108, que regulamentam a reforma tributária. De acordo com os textos, enquanto a CBS, de competência da União, será analisada pelo Carf, o IBS, de competência dos estados e municípios, será julgado por uma estrutura criada a partir do PLP 108/24.
No caso do IBS, o PLP 108 prevê a criação de uma estrutura com três instâncias. A primeira teria 27 câmaras de julgamento, integradas por representantes dos estados e municípios. A segunda contará com o mesmo número de câmaras, porém terá também representantes dos contribuintes. Por fim, a última instância, que terá a função de pacificar a jurisprudência, será composta pela Câmara Superior do IBS, integrada por oito julgadores que representarão, de forma paritária, os estados e os municípios.
Uma das principais críticas à nova estrutura diz respeito à possibilidade de criação de jurisprudências distintas em relação ao IBS e à CBS. “O tempo todo se vendeu a ideia de que [com a reforma] teríamos dois tributos gêmeos. Mas agora eles vão seguir processos diferentes, com ritos diferentes”, diz a advogada Susy Gomes Hoffmann, doutora em Direito Tributário.
Segundo a tributarista, a estrutura para julgamento do IBS contará, pelo modelo previsto no PLP 108, com 387 julgadores. “Não faz sentido termos trabalho duplicado, com um custo alto para o Estado e os contribuintes, para trazer mais insegurança jurídica”, afirma a advogada, que defende que o melhor caminho seria a centralização do julgamento administrativo no novo tribunal criado para o IBS.
Já a advogada Maria Raphaela Dadona Matthiesen, consultora técnica da Associação Brasileira das Sociedades Anônimas de Capital Aberto (Abrasca), salienta que o Carf e o novo tribunal responsável pelo IBS têm ritos de julgamento distintos. As diferenças vão desde o momento para apresentação de provas até a forma de desempate. Em relação ao último ponto, enquanto o Carf utiliza o voto de qualidade, na estrutura voltada ao IBS o presidente (que representa sempre estados ou municípios) votará apenas em caso de empate.
Matthiesen, que integra o escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, também entende que, pelo texto do projeto, não é possível interpretar que o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias farão a uniformização da jurisprudência em caso de posições administrativas divergentes entre IBS e CBS. As instâncias, formadas por estados, municípios, Receita e PGFN, terão por objetivo harmonizar a interpretação da legislação, que é vinculante para os auditores fiscais e para os procuradores.
Para a advogada, o comitê e o fórum atuarão em uma fase “pré-litígio”. “Me parece mais [que as instâncias serão responsáveis pela] análise para ajustar normas e evitar novas controvérsias do que na uniformização”, diz.
O cronograma do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prevê a votação dos dois PLPs de regulamentação da reforma antes do recesso parlamentar, apesar de alguns parlamentares acreditarem que o PLP 108 pode ficar para agosto ou até para depois das eleições municipais. Podem constar alterações relacionadas ao julgamento administrativo no relatório da proposta.