No artigo “Princípio é preguiça?”[1], Carlos Ari Sundfeld critica a utilização indiscriminada de princípios no direito público. O uso de princípios indeterminados sem embasamento analítico levaria a uma deterioração da qualidade do debate e resultaria em decisões arbitrárias. Embora a palavra “preguiça” só apareça no (ótimo) título, a ideia é a de que os juízes, quando formulam ou substituem políticas públicas desenhadas pelo legislador ou pela administração, atuam como reguladores. E, se é assim, devem se desincumbir – de verdade – do ônus de justificar sua competência para atuar no caso e as escolhas que adotaram.
Pois bem. O título do artigo de Carlos Ari faz pergunta, sugerindo que, em algumas situações, princípio pode ser preguiça: quando eles são citados elogiosamente em decisões, sem preocupações com normatividade, desenho institucional, consequências.
Mas a verdade é que, bem vistas as coisas, princípios são muito mais trabalho do que preguiça. Explica-se.
Como elemento do sistema jurídico, princípios funcionam como nexo de acoplamento entre o Direito e exigências extraídas da moralidade. É dizer: princípios “trabalham” mais do que regras. É que, além de seu papel como norma, ainda possuem a função de conectar o sistema jurídico a alguma pretensão de correção moral.
Como norma aplicada, o fato é que, na média, a aplicação de princípios é mais trabalhosa do que a subsunção simples associada às regras. Pensemos na ponderação: há que se identificar o peso abstrato, a intensidade da restrição e da satisfação de interesses, a confiabilidade das premissas empíricas. Nada disso é trivial. Veja-se a regra que veda a ocupação da Presidência da República aos menores de 35 anos de idade (art. 14, IV, “a”, da Constituição) e o princípio do melhor interesse da criança (art. 227). Qual norma parece dar mais trabalho ao se aplicar?
Podemos pensar, inclusive, de modo cínico, trágico, talvez realista, e sugerir: princípio é trabalho para os advogados – seja combatendo ou usando. Princípio, aqui, não é só trabalho – é renda também!
Princípios também podem ser, simultaneamente, preguiça e trabalho. Por vezes, princípios identificam compromissos dilatórios, isto é, acordos cujo conteúdo é “vamos deixar isso para ser decidido no futuro”. Ao invés de se fazer escolha a respeito da proibição ou da admissão do aborto, consagra-se no texto de 1988 um genérico “direito à vida”. A falta de concretude na legislação implica jogar a decisão para o legislador futuro ou, no caso concreto, para o juiz. Uma preguiça (ou uma impossibilidade) no passado que acarreta um monte de trabalho para o presente.
Então, sim, princípio é preguiça. Mas é – e dá – muito trabalho também.
[1] Direito e Interpretação – racionalidades e instituições. Macedo Jr., Ronaldo Porto e Barbieri, Catarina Helena Cortada (orgs.) [publicada pela Fundação Getúlio Vargas – série Direito em Debate – direito, desenvolvimento e justiça]. São Paulo: Saraiva, p. 287-305, ISBN 978-85-021-0803-5, 2011.