Princípio Caco Antibes: CLT, agora, é ‘coisa de pobre’

  • Categoria do post:JOTA

Recentemente conversei com uma advogada trabalhista de São Paulo, que atua na área consultiva empresarial. Ela me relatou, atônita, que recebe consultas diárias de empresas clientes, pedindo orientação para transformar seus empregados em PJ, “agora que o STF liberou geral”.

Suas Excelências os ministros do STF certamente não pensaram nas consequências funestas que a desastrada tese do Tema 725 traria para as relações de trabalho no Brasil e, naturalmente, para a arrecadação do fisco e da previdência social.

Como é sabido, o STF vem cassando sistematicamente decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam vínculo empregatício em contratos de “pejotização” nos quais estavam presentes os requisitos da relação de emprego, como a subordinação, a não eventualidade e a pessoalidade. A Justiça do Trabalho, como sempre fez nos últimos 80 anos, apenas estava aplicando o princípio fundamental do Direito do Trabalho, válido em todo o mundo ocidental (inclusive nos EUA), segundo o qual a realidade da relação laboral se impõe sobre a forma jurídica pactuada pelas partes. Princípio esse que está codificado no art. 9º da CLT e que não foi revogado.

O STF agora entende que, após a reforma trabalhista, “vale o que está no papel”, um contrato civil se sobrepõe à realidade, desde que o trabalhador seja “hipersuficiente”. Ocorre que o STF não fixou de forma clara e harmônica o que vem a ser essa hipersuficiência. As decisões são erráticas. Em alguns casos ministros citam que trabalhadores deveriam assim ser considerados por possuírem “curso superior”. Contraditoriamente, porém, têm cassado decisões de trabalhadores que não cumpriam esse requisito, como técnicos de radiologia e corretores de seguro. Em outros casos, mencionam o fato de esses trabalhadores ganharem alto rendimento, sem determinar uma baliza. Por exemplo, em processo que mencionei em coluna anterior, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que uma advogada de Rondônia que recebia dois salários mínimos mensais tinha uma “remuneração expressiva”.

E assim tem agido o Supremo, com total falta de critério, incentivando a “pejotização” generalizada do mercado de trabalho, ignorando soberbamente as desastrosas consequências de sua jurisprudência irresponsável. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional já alertou para esses impactos, ressaltando a injustiça tributária que tamanho disparate provoca. Trabalhadores ricos pagam menos impostos e geram contribuição reduzida para o INSS. Até quando os iluminados ministros vão perseguir com sua cegueira?

Curiosamente, a própria reforma trabalhista, incensada em discurso do atual presidente do STF, fixou critério razoável de hipersuficiência no art. parágrafo único do art. 444 (percepção de remuneração superior a dois tetos da previdência e curso superior), que poderia muito bem ser aplicado de forma analógica à hipótese, como recomenda o art. 8º da CLT, sem derruir o princípio fundamental do Direito do Trabalho que é o contrato realidade (princípio que, estranhamente, não é mencionado nas inúmeras decisões que vêm cassando os julgamentos de reconhecimento de vínculo da Justiça do Trabalho).

Ao permitir que qualquer tipo de empregado minimamente qualificado seja contratado como PJ, o STF extingue os direitos sociais do art. 7º para uma vasta categoria de trabalhadores brasileiros, comete injustiça tributária e passa a adotar o princípio daquele divertido personagem televisivo interpretado pelo ator Miguel Falabella, o Caco Antibes: CLT, agora, é “coisa de pobre”.