Presença de árbitros estrangeiros cresce nas câmaras do Brasil

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O Brasil tem se destacado no cenário global de arbitragem e mediação com aumento no número de árbitros estrangeiros em atuação no país. A pesquisa “Arbitragem em números”, de autoria de Selma Lemes, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), mostra crescimento de 11% no estudo mais recente. Eram 90 em 2022, contra 100 em 2023. O estudo publicado no ano passado, refere-se ao aumento no número de árbitros estrangeiros participando de arbitragem sediadas no Brasil, administradas pelas oito câmaras indicadas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI). 

Gabriel de Britto Silva, advogado e árbitro, concorda haver uma elevação do interesse de árbitros internacionais em atuar no país. “Temos um local favorável e propício à arbitragem, ante a qualificação dos profissionais que atuam no setor, a qualidade das câmaras de arbitragem existentes, a presença de uma lei de arbitragem atual e moderna e, principalmente, a existência de um Poder Judiciário que sempre assegura o instituto. Tais fatores fazem do país um hub arbitral global”, disse o também  participante da comissão de arbitragem da OAB-RJ, do Ibradim e da Abami.

Daniel Brantes Ferreira, Árbitro e Sócio do DBFLaw, comenta sobre o desenvolvimento da arbitragem a passos largos no Brasil, citando como prova da relevância do país no cenário, a CCI, ter aberto um escritório em São Paulo em 2014. A CCI, com sede em Paris, possui escritórios nas cidades de Singapura, Hong Kong, Genebra e Londres, além de São Paulo.

“O Brasil é o segundo país com o maior número de partes envolvidas em procedimentos arbitrais da CCI”, comenta Ferreira. Apesar disso, ele salienta o dado trazido pela pesquisa realizada em 2021 com usuários de arbitragem internacional (2021 International Arbitration Survey, feito pela White & Case com a Queen Mary University of London), onde nenhuma cidade brasileira figura entre as dez sedes preferidas para arbitragem internacional.

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“As cidades mais escolhidas são aquelas que apresentam uma  legislação arbitral sólida, um Judiciário que interfere na arbitragem apenas quando necessário, aspectos geopolíticos, entre outros. Um fator relevante no caso de Londres, por exemplo, é o fato de seu Judiciário estar acostumado a lidar com partes estrangeiras, o que não ocorre com tanta frequência no Brasil”.  

Porém, o cenário pode mudar. Ferreira defende que os árbitros brasileiros vêm ganhando cada vez mais projeção internacional e integram listas de centros de arbitragem em todo o mundo. Atualmente, o Brasil conta com quase 130 membros no renomado Chartered Institute of Arbitrators (CIArb).

O árbitro ressalta, porém, um incômodo frequente: “Os árbitros estão cada vez mais sob o exame minucioso das partes. Investigações detalhadas são conduzidas antes da confirmação de suas nomeações e, em muitos casos, as partes ultrapassam os limites do seu dever de diligência (em oposição ao dever de revelação do árbitro), atingindo os árbitros pessoalmente. Essa atitude se intensifica à medida que o valor da disputa arbitral aumenta.”

Paper Excellence e J&F

Um exemplo do problema citado é o caso da disputa entre J&F e Paper Excellence pelo controle da Eldorado, que foi comprada pela Paper por R$ 15 bilhões. O caso ganhou ainda mais notoriedade em setembro do ano passado, quando dois renomados árbitros estrangeiros renunciaram, alegando ameaça da J&F.

Britto Silva classifica o conflito como o caso nacional mais célebre e emblemático envolvendo a temática da anulação de sentença arbitral fundada em alegada quebra do dever de revelação dos árbitros, de ocorrência de suspeição, gerando complexidade à disputa. “É fundamental que as partes e advogados que atuem em arbitragem tenham em mente que a omissão do árbitro no exercício do dever de revelação, por si só, não faz com que o árbitro seja parcial ou lhe falte independência” saliente Britto Silva. 

Ele afirma a necessidade dos advogados de observar, antes de tomar qualquer medida, a exata relevância do fato não revelado e estudar em até que modo, objetivamente, a não revelação abalaria a confiança depositada pelas partes. “Do contrário, poderíamos ter uma fragilização da higidez e da credibilidade de toda a arbitragem no país. Jamais a violação de imparcialidade e independência do árbitro poderão ser trazidos só após decisão desfavorável, com o objetivo de renovação de todo o procedimento arbitral pelo perdedor.”

Os dois árbitros citados, Daniel Brantes Ferreira e Gabriel de Britto Silva, concordam que, no caso da Paper x J&F,  o instituto da arbitragem foi muito bem salvaguardado, tanto pelos árbitros, como pelo Poder Judiciário, que negou o pedido da J&F de anular a sentença arbitral que lhe foi desfavorável.

Para Ferreira, a arbitragem “já é um instituto consolidado e com raízes sólidas no país. Os detalhes do caso apenas demonstram a proteção que o Judiciário brasileiro confere ao instituto. Os profissionais envolvidos na arbitragem são renomados internacionalmente e possuem extrema competência”. Na visão de Britto Silva, o Judiciário mostrou respeito à arbitragem, reafirmando a plena segurança jurídica quanto ao uso da arbitragem no país, e reforçando a consolidação e maturidade do instituto que se encontra em crescente expansão.