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Prescrição intercorrente: fim dos problemas?

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Dando continuidade à coluna do Observatório da Macrolitigância Fiscal, nesta semana analisaremos algumas questões pertinentes à prescrição intercorrente que podem derivar do julgamento do Recurso Especial 2.147.578/SP, decidido sob o rito dos repetitivos.

Embora se espere que um julgamento em repercussão geral ou submetido ao rito de repetitivos sirva para estabelecer a igualdade prática entre contribuintes, além de um nível mínimo de segurança jurídica, em alguns casos, a má formulação da tese ou a resistência a sua aplicação podem gerar novos questionamentos, como o emblemático caso da tese do século.

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Na última reunião aberta do grupo, ocorrida em 28 de março de 2025, contando com a participação dos ex-conselheiros Carlos Augusto Daniel Neto, Leonardo Ogassawara de Araújo Branco e da Conselheira Mariel Orsi Gameiro, notamos que, longe de ser pacificada, a aplicação da prescrição intercorrente ainda será objeto de inúmeros problemas de ordem prática.

Inicialmente, o ex-conselheiro Carlos Augusto Daniel Neto relembrou que a aplicação da Súmula Carf 11 não é pacífica no âmbito do conselho, inclusive os precedentes que foram utilizados para sua conformação não teriam o condão de motivar a aplicação da súmula às multas aduaneiras[1], configurando verdadeiro caso de fake precedentes para usarmos o termo que vem se difundindo.

Nos últimos quatro anos, os conselheiros do Carf aplicaram o entendimento vinculante, com alguns votos divergentes que, apesar de apresentarem um distinguishing para a não aplicação da súmula, restaram vencidos pelo colegiado.

Enquanto a discussão percorria o Judiciário, a 1ª e a 2ª Turmas do STJ se manifestaram em 2023 e 2024 reconhecendo que a prescrição intercorrente se aplica ao processo que discute crédito não tributário. No entanto, somente em 2025 sobreveio decisão fixando a tese no Tema 1293, em repetitivo, de que incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de três anos:

“Teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi do julgado paradigmático:

  1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.
  2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação.
  3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado”.

Feito esse breve escorço histórico, um dos primeiros questionamentos levantados diz respeito ao momento de aplicação da tese, problema comum na interação entre as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores e o Carf. Ao que se poderia responder invocando o art. 100 do Regimento Interno do Carf, que determina o sobrestamento dos processos administrativos até o trânsito em julgado do acórdão proferido em repercussão geral ou submetido ao rito de repetitivos, conforme ocorreu, por exemplo, na maioria dos votos proferidos durante o julgamento iniciado do processo administrativo 10907.721161/2013-11, suspenso após pedido de vista

Interessante destacar que, em 11 de abril, a PGFN protocolou embargos de declaração em que questiona o momento da aplicação da tese sob outro viés: como o prazo prescricional se relaciona com o prazo de 360 dias previsto no art. 24 da Lei 11.457/07[2]?

Segundo a PGFN, o prazo prescricional se iniciaria com o transcorrer do prazo legal. Contudo, o posicionamento não se coaduna com a própria ideia de prescrição intercorrente. Isto porque, embora o transcurso do prazo de 360 dias seja necessário para qualificar a mora da administração pública para fins de correção monetária[3], não significa que esse prazo é um período de carência em que a inércia da administração não implicará qualquer consequência jurídica.

Aqui nos parece que o art. 24 da Lei 11.457/07 buscou trazer maior eficiência e celeridade à administração pública em conformidade com o disposto no art. 37 da Constituição Federal, razão pela qual seria ilógico sua alegação para que o processo administrativo sancionador aduaneiro permaneça parado por período superior aos 3 anos estabelecido no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99.

Importa ressaltar que a situação definida pelo STJ no julgamento do tema 1293 em nada se assemelha ao quanto julgado nos temas 566 a 571[4], haja vista que o art. 40 da Lei 6.830/80[5] prescreve expressamente a suspensão do prazo por um ano sem que ocorra qualquer prescrição.

Nesse sentido, entendemos que os prazos prescritos art. 24 da Lei 11.457/07 e no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 não são cumulativos, transcorrendo em paralelo, não podendo ser superior ao limite de três anos.

Ultrapassada essa “preliminar”, a conselheira Mariel Orsi compartilhou algumas de suas preocupações quanto à aplicação da tese no âmbito do Carf, principalmente em razão da redação do §1º do art. 1º da Lei 9873/1999:

“Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

  • 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.

Note-se que a redação do dispositivo indica que apenas estarão sujeitos à prescrição intercorrente os processos que estiverem pendentes de julgamento ou despacho, daí porque importa compreender quais decisões ou despachos se qualificam para afastar a referida prescrição. Nesse aspecto, questionou-se se mero despacho de encaminhamento teria a força de afastá-la ou não.

Segundo a conselheira, entendimento ao qual subscrevemos, apenas as decisões e despachos de caráter decisório teriam o condão de interromper o lapso do prazo prescricional. Assim, despachos de encaminhamento de uma caixa para outra – e.g recepção no Carf e encaminhamento para o relator – ou mesmo o despacho que admite a tempestividade do recurso e o encaminha para sorteio, não teriam condão de suspender esse prazo, já que a própria Turma reanalisará a tempestividade e efetivamente decidirá sobre.

De fato, o prazo de três anos já deveria contemplar todo o translado processual, inclusive porque, nos termos do Regimento Interno, o conselheiro detém prazo de 180 dias para relatar o processo, sob pena de perda de mandato.

No mesmo sentido, Carlos Augusto Daniel Neto defende que interpretar a referida norma de forma a abranger despachos de mero encaminhamento poderia levar à equivocada ideia de que bastaria que a Administração ficasse promovendo expedientes de movimentação do processo, para que a prescrição intercorrente fosse reiteradamente interrompida – fraudando, assim, a própria intenção do legislador com o instituto[6].

Outro ponto abordado na reunião do grupo, com potencial de controvérsia e impacto no contencioso, refere-se à definição da natureza das multas, especialmente no que tange à incidência (ou não) da prescrição intercorrente.

Segundo o ex-Conselheiro Leonardo Branco, inclusive em artigo já publicado, as multas aduaneiras são exigidas em decorrência de ação ou omissão que importe inobservância das normas aduaneiras (art. 673 do RA), ou seja, defluem do regular exercício do poder de polícia consistente no controle e fiscalização sobre o comércio exterior exercido pelo atual Ministério da Economia (art. 237 da CF/88), como reconhecido pela Receita Federal do Brasil (SC Cosit nº 38/19) e pelo TRF da 3ª Região (ApCiv 0014692-08.2006.4.03.6100/SP)[7].

O entendimento parece ir ao encontro da decisão proferida pelo STJ em que se consignou expressamente que a natureza jurídica desse tipo de crédito será de direito administrativo se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.

Além disso, Leonardo sugeriu que um critério objetivo de diferenciação entre multas aduaneiras e tributárias seria a base de cálculo de cada uma delas. Multas tributárias seriam aquelas que incidem sobre tributo. Multa de ofício, por exemplo, equivale a 75% do tributo e, portanto, é uma multa de natureza tributária. Neste raciocínio, as multas de natureza aduaneira seriam aquelas cuja base de cálculo é o valor aduaneiro, a exemplo da multa que substitui o perdimento de mercadorias e representa 100% do valor aduaneiro.

Outros parâmetros de definição do caráter aduaneiro da penalidade são as manifestações pretéritas do Carf[8], a exemplo dos precedentes que fundamentaram a Súmula Carf 184, ou mesmo a polêmica Portaria ME 260/20, publicada com o intuito de limitar o art. 19-E da Lei 10.522/02 e manter a aplicação do voto de qualidade.

Os debates ocorridos na última reunião aberta além de muito esclarecedores, deixaram claro que a aplicação da prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo ainda será objeto de inúmeras controvérsias, principalmente caso haja resistência da administração em aplicá-lo.


[1] Tema abordado com vagar em DANIEL NETO, Carlos Augusto; RIBEIRO, Diego Diniz. A aplicabilidade da prescrição intercorrente da Lei nº 9.873/1999 às multas aduaneiras – análise crítica dos argumentos do debate. Direito Tributário Atual, São Paulo: IBDT, v. 50, p. 76-111, 2022.

[2] Art. 24.  É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

[3] REsp n. 1.767.945/PR, rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 12/2/20, DJe de 6/5/20

[4]REsp n. 1.340.553/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 12/9/2018, DJe de 16/10/2018.

[5] Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

[6] DANIEL NETO, Carlos Augusto. Prescrição intercorrente, tema nº 1293 e as respostas pretéritas para as  questões futuras. CONJUR – Coluna Direto do CARF – 26/03/2025.

[7] BRANCO, Leonardo; FEIL, Vera Lúcia. A prescrição intercorrente das multas aduaneiras. Conjur, 1 de novembro de 2022.

[8] DANIEL NETO, Carlos Augusto. Prescrição intercorrente, tema nº 1293 e as respostas pretéritas para as  questões futuras. CONJUR – Coluna Direto do CARF – 26/03/2025.