Desde o surgimento do ChatGPT, o chatbot de inteligência generativa desenvolvido pela OpenAI, a humanidade vem alternando altos e baixos com relação às expectativas criadas pela ferramenta (e seus similares). Fomos do inicial deslumbramento com a acurácia das respostas do bot à rápida decepção quando descobrimos que a ferramenta pode “criar” respostas desprovidas de qualquer embasamento (as alucinações).
Ultrapassados os choques iniciais e o contínuo receio de estarmos caminhando rumo a um futuro distópico, em que a inteligência artificial assume o controle das nossas vidas, o novo mundo criado por essas novas tecnologias passou a ser escrutinado pela ciência.
A revista The Economist, em reportagem intitulada “How artificial intelligence can revolutionise science” (Como a inteligência artificial pode revolucionar a ciência, publicada em setembro de 2023), destaca dois projetos entendidos como promissores: a literature-based discovery (LBD) – em português, descoberta com fundamento na literatura; e os robot scientists, também chamados de self-driving labs, que poderíamos traduzir como robôs cientista e laboratórios providos de autonomia, ou simplesmente laboratórios autônomos.
As LBD envolvem a exploração da ciência contida na literatura mundial desenvolvida pelas mais diversas áreas do conhecimento. Utilizando ferramentas com capacidade de análise de imensas bases de dados, como o ChatGPT, o propósito é vasculhar ou conectar ideias que perdemos ao longo dos anos e gerar aplicação para esta ciência perdida, viabilizando a conexão de diferentes campos de atuação, identificando falhas no desenvolvimento de certas técnicas e, por que não, predizer novas descobertas.
Já os robôs cientistas são capazes de analisar a extensa base de dados da literatura científica e criar hipóteses. A partir de dados científicos já existentes, a inteligência artificial é capaz de analisá-los, gerar novas hipóteses científicas e testá-las milhares de vezes.
Ainda sem notícias a respeito dos avanços práticos dessas novas tecnologias, a enorme quantidade de dados gerada pela sociedade está cada vez mais acessível nos chamados sistemas abertos (ex.: open banking), permitindo a análise por robôs (algoritmos), o que poderá fomentar a criação de novos produtos e serviços.
O mundo dos seguros e da previdência privada não está incólume a inovações dessa natureza e também desenvolve um sistema aberto denominado open insurance (ou, simplesmente, sistema de seguros aberto).
Os chamados sistemas abertos são caracterizados pelo compartilhamento padronizado de dados e pela integração de sistemas no âmbito de um determinado mercado. Nesse ambiente será aportada uma infinidade de dados dos consumidores participantes (devidamente autorizados), que poderão ser analisados pelas seguradoras para o desenvolvimento de produtos que supram lacunas de mercados ou que sejam mais customizados para cada público-alvo. A ideia também é fomentar a competição e a melhoria dos produtos ofertados, gerando benefícios.
As perspectivas são animadoras, mas despertam preocupações com potenciais efeitos danosos de decisões automatizadas, falta de transparência e de explicabilidade, discriminação algorítmica, entre outros.
Imagine-se que determinado conjunto de dados seja trabalhado por um robô cientista que desenvolva e teste uma hipótese milhares de vezes e chegue à conclusão de que o pretenso segurado não terá um período de vida longo. Muito provavelmente isso significará que nenhuma seguradora firmará um contrato de seguro de vida com referido consumidor, e as consequências para esse fato poderão se desdobrar em outras restrições, como a de acesso a um financiamento imobiliário.
A mesma hipótese pode ser aplicada, ainda com o auxílio dos robôs cientistas, para a área da previdência privada. Conclusões hipotéticas relacionadas à acurácia das previsões a respeito do tempo de sobrevivência dos participantes dos planos previdenciários, ou do quantitativo de pessoas que probabilisticamente será afastada do trabalho por uma causa relacionada a invalidez, podem impor ônus adicionais aos beneficiários.
Tentar resolver a questão por meio do não compartilhamento dos dados ou da simples vedação à aplicação de ferramentas de inteligência artificial ao mercado de seguros e de previdência privada não parecem boas soluções.
O open insurance, atrelado ao uso de ferramentas de inteligência artificial, é um fomento indispensável para o desenvolvimento do mercado brasileiro. E se as LBD e os robôs cientistas podem trazer desafios à estruturação do sistema, vale lembrar que este sistema aberto também é o que, por intermédio da tecnologia, poderá aprimorar e ampliar a cobertura securitária e previdenciária para determinadas áreas que hoje não encontram apetite no mercado.
É importante que haja regras construídas de forma sustentável e que consigam equilibrar, de um lado, o acesso a dados e o necessário desenvolvimento de ferramentas tecnológicas, e, de outro lado, a minimização dos riscos de que novas soluções, ao invés de contribuírem para o desenvolvimento e a democratização do mercado de seguros e de previdência privada, acabem limitando-o ou aprofundando desigualdades.
Em um momento de forte debate acerca da regulamentação da inteligência artificial, é importante ponderar, com cautela, potenciais riscos e benefícios, a fim de que uma regulação precipitada não acabe prejudicando o desenvolvimento de mercados relevantes para o país.