Precisamos tratar gripe em idosos com a seriedade que ela merece

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Em 2024, a cada 5 pessoas com 60 anos ou mais hospitalizadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada pela influenza, 1 perdeu a vida.[1] Mesmo quando o quadro não é tão grave, a gripe pode causar outros prejuízos à saúde, como a perda de capacidades físicas, o agravamento de doenças crônicas e riscos à saúde cardiovascular.

Esses efeitos mostram que a gripe é muito mais do que uma infecção temporária: pode comprometer o bem-estar e a autonomia necessárias para um envelhecimento pleno e com autonomia.[2],[3]

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O Brasil e o mundo enfrentam uma rápida transição demográfica, marcada pelo crescimento acelerado da população com 60 anos ou mais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2030, 1 em cada 6 pessoas no mundo terá 60 anos ou mais, e essa população deverá dobrar até 2050, alcançando 2,1 bilhões de indivíduos.[4]

Esse cenário também se observa no Brasil: dados do IBGE mostram que entre 2000 e 2023, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais quase dobrou, passando de 8,7% para 15,6%. As projeções ainda indicam esse número chegará em 38% da população brasileira, representando quase 75 milhões de idosos em 2070.[5]

Essa inversão da pirâmide etária resulta em uma demanda crescente por serviços de saúde. A imunossenescência[6] – ou seja, o envelhecimento do sistema imunológico – torna as pessoas acima de 60 anos mais suscetíveis a infecções e reduz a resposta imunológica às infecções virais, como a influenza. Isso significa que, além do risco aumentado de infecção, a recuperação pode ser mais longa e complicada[6].

Para essa população, especialmente aqueles com comorbidades e doenças pré-existentes, a gripe pode levar à pneumonia, hospitalizações prolongadas por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e agravamento de doenças crônicas.

O Brasil registrou em 2024 um crescimento de 189% nas hospitalizações de idosos por SRAG causada por influenza em relação a 2023. As admissões em UTI também aumentaram 187% no período. Esse cenário gera pressão sobre o sistema de saúde, sobrecarregando leitos hospitalares e unidades de terapia intensiva.

Os riscos da gripe vão além da saúde respiratória: a infecção por influenza pode multiplicar por dez o risco de infarto e por oito o risco de AVC em indivíduos a partir dos 40 anos. Entre idosos, o risco de sequelas neurológicas e cardiovasculares se mantém elevado mesmo após a recuperação.

Apesar dos altos riscos de complicações, as taxas de cobertura da vacina contra a gripe entre idosos vêm caindo nos últimos anos. Em 2024, a campanha de vacinação atingiu apenas 50% de cobertura entre indivíduos com 60 anos ou mais. Em 2025, até o momento, a campanha iniciada pelo Ministério da Saúde no final de março registra cobertura em torno de 39,3% para essa faixa etária.

Uma análise comparativa dos boletins do Ministério da Saúde com dados da Semana Epidemiológica 19 de 2024 e de 2025, mostra que, enquanto no ano passado a semana 19 mostrava uma desaceleração nos casos da gripe, esse ano os casos continuam em alta.

Entre os meses de abril e maio de 2924, o vírus Influenza foi responsável por 28% das hospitalizações por SRAG com vírus identificados, mas em 2025, essa proporção já subiu para 31%. O impacto nos óbitos também foi marcante: de janeiro a maio de 2024, o Influenza foi responsável por 19% dos óbitos por SRAG com agente etiológico identificado; já nesse ano esse número foi igual a 26% no mesmo período.

A vacinação continua sendo a forma mais eficaz de prevenir a doença e suas complicações. Atualmente, há diferentes tipos disponíveis, e a escolha da vacina deve considerar fatores como idade e condição de saúde do paciente, mas o fundamental é garantir que a população mais vulnerável tenha acesso à imunização anual e compreenda sua importância.

Durante a pandemia da Covid-19, a sociedade pôde ver de forma clara o poder das vacinas na redução de hospitalizações e óbitos. Essa lição não pode ser esquecida quando o assunto é gripe, principalmente neste momento em que já estamos enfrentando a sazonalidade de 2025. Conscientizar pacientes e familiares sobre a importância de manter a carteira vacinal atualizada na fase adulta e na senioridade é essencial para garantir uma vida longeva e saudável.

Tratar a gripe com a seriedade que ela merece significa proteger milhões de brasileiros contra complicações graves, hospitalizações evitáveis e perdas irreparáveis na qualidade de vida.

Precisamos agir para evitar que os números de internações e óbitos aumentem, tratando a gripe com a seriedade que ela merece e assegurando que cada vez mais idosos tenham acesso à proteção que precisam. A vacinação é um passo fundamental para assegurar que a população idosa possa envelhecer com mais saúde, autonomia e dignidade.


[1] SIVEP-Gripe. Dados atualizados em 13 de janeiro de 2025 e 06 de junho de 2025.

[2] Warren-Gash C, Blackburn R, Whitaker H et al. Laboratory-confirmed respiratory infections as triggers for acute myocardial infarction and stroke: a self-controlled case series analysis of national linked datasets from Scotland. Eur Respir J. 2018;

[3] Boehme AK, Luna J, Kulick ER, et al. Influenza-like illness as a trigger for ischemic stroke. Annals of clinical and translational neurology 2018; 5: 456-463

[4] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Ageing and Health. Disponível em: <https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ageing-and-health>.

[5] Projeção do IBGE mostra que população do país vai parar de crescer em 2041. Disponível em: <http://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202408/populacao-do-pais-vai-parar-de-crescer-em-2041>

[6] Esquenazi, Danuze de A. Imunossenescência: as alterações do sistema imunológico provocadas pelo envelhecimento. Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto. v.7, p.38-45, Jun. 2008