A sociedade contemporânea atravessa um profundo processo de obscurecimento do intelecto coletivo, consubstanciado na libertação do comportamento social dos grilhões do governo político e em sua submissão à governança tecnolinguística. Nesse ambiente, reina a funcionalidade pura e desprovida de sentido, a automação do pensamento e a submissão técnica das escolhas à concatenação da lógica.
Desse processo de matematização da linguagem e da inscrição de um ritmo digital ao corpo social, derivam dinâmicas de categorizações imediatas que, em sua maioria, tendem a perpetuar raciocínios binários. Em todo o mundo, os debates que apresentam as esferas público e privada como oposições excludentes podem e devem ser entendidas como um caso exemplar do estigma dessa forma de pensamento.
A “segura” e confortável crença em solucionar a regressão socioeconômica pela eliminação do público ou do privado apenas subsiste a uma confiável distância do problema. Desta forma, olhar para o passado pode auxiliar na compreensão do presente e, quem sabe, na imaginação do futuro, sempre em movimento.
Ao longo das décadas de 1930 e 1980, o Brasil constituiu formas superiores de organização capitalista, estruturadas na coordenação entre empresas estatais, privadas nacionais e estrangeiras. Desse modelo, em que o setor produtivo estatal operava de forma a promover externalidades positivas para o setor privado, surgiram os grandes estímulos e a estrutura fundamental para que o país pudesse avançar em seu projeto nacional de desenvolvimento.
Em menos de 50 anos, nos transformamos na economia mais avançada do mundo subdesenvolvido, com a construção de um amplo parque industrial diversificado e integrado ao mercado internacional. O sentimento era de que uma nova civilização nos trópicos estava surgindo, e de que o país andava a passos largos para finalmente se tornar uma nação moderna.
No entanto, o pragmatismo e o desenvolvimento se tornaram memórias “de um ano dourado”. No início da década de 1990, o Brasil, assim outros países que também estavam sofrendo com as consequências da crise da dívida externa, foi submetido aos aconselhamentos do chamado Consenso de Washington (1989).
Suas “prescrições de ordem” consubstanciavam centralmente a completa reforma do Estado, que foi aprisionado na função de agente do ajustamento econômico, o que incluiu o processo de privatizações de empresas públicas e a criação de um ambiente supostamente atrativo para o investimento estrangeiro, como forma de eliminar os gargalos na indústria e na infraestrutura.
O tiro saiu pela culatra. Em conjunto às medidas de abertura econômica e valorização cambial, o país assistiu o avanço do processo de desindustrialização e o aprofundamento do déficit em infraestrutura. O campo mais atingido, no entanto, foi o das opiniões: o poder das ideias não só passou a ser submetido às ideias do poder, como também perdeu sua capacidade discursiva, em razão do “adestramento” promovido pelas redes sociais e pela indústria cultural midiática.
É neste sentido que o avanço dos projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Brasil nos últimos anos reconforta as esperanças. Como uma forma de realizar obras e serviços públicos de interesse social por meio de empresas privadas contratas pela administração pública, as PPPs ressaltam a possibilidade de tornar bem públicos de alto qualidade fruíeis de forma célere, permitindo ainda antecipar investimentos e reduzir a pressão sob o orçamento público.
Além disso, as PPPs oferecem a possibilidade do compartilhamento de riscos, dirimindo as chances de inviabilidade dos projetos por riscos relacionados às questões políticas, econômicas e sanitárias. Sendo assim, em meio a profunda regressão sistêmica do país, que não se restringe ao plano da economia, mas que estende-se aos planos sociais e culturais da realidade em movimento, as PPPs descortinam uma possibilidade de revitalizar o antigo pragmatismo que marcou o período desenvolvimentista, rumando contra o senso comum para revitalizar a esperança em um novo amanhecer para o Brasil.