O diploma processual civil brasileiro prevê, consoante o seu o art. 485, inciso VI, como uma das hipóteses em que o magistrado não resolverá o mérito da lide posta sob sua apreciação, o acolhimento da preliminar de alegação de existência de convenção de arbitragem – no bojo dos negócios jurídicos subjacentes à ação judicial –, ou quando o próprio juízo arbitral, no exercício da competência atribuída pelo art. 8º, parágrafo único da lei nº 9.307/96, reconhecer a sua competência para julgamento da questão litigiosa, em alusão ao princípio do kompetenz-kompetenz, importado do direito germânico.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] definiu que o estabelecimento de uma convenção de arbitragem válida produz, implícita e necessariamente, um efeito positivo e um efeito negativo, sendo o primeiro um efeito relacionado à vinculação das partes à jurisdição arbitral, e o segundo que diz respeito à retirada do Poder Judiciário em julgar o conflito das partes.
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A partir desta concepção acerca da convenção de arbitragem, tem-se formado, sobretudo com a superveniência do Código de Processo Civil de 2015 (lei federal n. 13.105/2015), jurisprudência pacífica no sentido de que, em razão do princípio do kompetenz-kompetenz, contemplado na Lei da Arbitragem, qualquer discussão judicial concernente à validade, eficácia e extensão da cláusula compromissória deve ser submetida, inicialmente, ao juízo arbitral – assim entendido como aquele órgão eleito pelas partes contratantes para resolução de seus conflitos, sob o fundamento de que esta seria uma forma de evitar a judicialização precoce de litígios que devem ser solucionados na via arbitral eleita[2].
Contudo, há de se reconhecer a existência de controvérsias que, além de versarem sobre sua validade e eficácia, tratam sobre a extensão objetiva, ou mesmo subjetiva, da convenção de arbitragem. Isto é, se a convenção de arbitragem inserida no negócio jurídico necessariamente abrange todos os possíveis conflitos oriundos de um acordo de vontades e se é aplicável a todos os sujeitos integrantes do negócio jurídico.
À guisa exemplificativa, imagine-se um caso em que determinada parte dá início a uma ação judicial contra um ex-sócio em um grupo empresarial questionando determinada circunstância relacionada à empresa “A”. Ao contestar a ação, o ex-sócio alega que a ação não poderia prosseguir pois o contrato social da empresa “B”, holding controladora da empresa “A”, conteria compromisso arbitral e, com isso, o litígio deveria ser submetido à arbitragem.
Em casos como esse, não é desprezível a hipótese de que, em primeira instância, a preliminar de existência de convenção de arbitragem seja afastada e que o processo prossiga – podendo até mesmo ser sentenciado, mas que, em eventual agravo de instrumento interposto contra a decisão que afastou a aplicação da cláusula arbitral, entenda-se que é possível que o litígio seja submetido à arbitragem, sendo que tal decisão deverá ser confirmada pelo tribunal arbitral, por aplicação da kompetenz-kompetenz, ainda a ser instaurado.
Em situações como a descrita, é de se indagar: é razoável que a ação judicial que tramitou regularmente, tendo as partes nela eventualmente produzido provas, ou, até mesmo, sido proferida sentença decidindo seu mérito durante a discussão em sede recursal sobre eventual aplicabilidade do compromisso arbitral ao caso seja imediatamente extinta sem julgamento de mérito, antes mesmo de o Tribunal Arbitral declarar sua eventual competência para apreciar a disputa?
Considerando a possibilidade de negativa do juízo arbitral acerca do reconhecimento de sua competência, não parece ser adequada a imediata extinção do processo já em trâmite sem resolução do mérito. Isso porque, nessa hipótese, uma nova ação judicial será proposta, agora com a certeza de que a discussão é de competência exclusiva da jurisdição estatal, o que implicará na repetição da prática de (desnecessários) atos processuais.
Com a finalidade de evitar tais embaraços, urge a necessidade de reflexão sobre as implicações de uma precipitada extinção do processo quando ainda pendente o reconhecimento da competência arbitral. Afinal, o ordenamento jurídico brasileiro tem como princípio orientador a duração razoável do processo e a economia processual. O que importa em reconhecer que o interesse do legislador é que a prestação jurisdicional seja oferecida no menor tempo possível, prevenindo o jurisdicionado de gastos evitáveis.
Nota-se, portanto, que a medida de maior razoabilidade é, sem dúvidas, a determinação de suspensão do processo, sobretudo quando este já estiver em fase avançada, contando com sentença ou acórdão de mérito no momento de reconhecimento da eventual submissão da disputa à arbitragem, a qual deverá perdurar até que o tribunal arbitral a ser formado se pronuncie acerca de sua eventual competência. Tal solução encontra respaldo, inclusive, no texto da segunda parte do inc. VI do art. 485, do Código de Processo Civil, o qual prevê que o magistrado não resolverá o mérito “quando o juízo arbitral reconhecer sua competência”.[3]
É de se observar que a suspensão do processo até que o juízo arbitral delibere sobre sua competência, além de evitar a repetição de atos processuais desnecessários em caso de eventual juízo de admissibilidade negativo pelo árbitro, não causa qualquer prejuízo às partes, já que, durante o período de suspensão, eventual decisão judicial anteriormente proferida no processo não produzirá quaisquer efeitos.
Se reconhecida a competência arbitral, bastará a comunicação do teor da decisão do árbitro ao juízo estatal que, aí sim, poderá julgar o processo extinto. Na hipótese inversa, em que o tribunal arbitral entenda pela sua incompetência para julgar a disputa, o processo será retomado a partir de seu último ato e não será necessária a propositura de uma nova ação, evitando embaraços desnecessários na marcha processual.
Há que se notar, ainda, que tal alternativa se coaduna com o entendimento já adotado pelo Superior Tribunal de Justiça[4], que, em execuções de títulos extrajudiciais, já determinou a possibilidade de suspensão do processo, dada a existência de uma relação de prejudicialidade consistente na possibilidade de declaração de invalidade do título exequendo pelo árbitro.
Destarte, as considerações desta reflexão denotam que seria de bom tom, como forma de prestígio aos princípios informadores da sistemática processual vigente, que eventualmente a ação judicial já proposta seja suspensa até que o tribunal arbitral se manifeste sobre sua competência, devendo a extinção do processo sem resolução de mérito pelo acolhimento da alegação de existência de convenção de arbitragem ser determinada pelo Poder Judiciário somente se o juízo arbitral confirmar que tem competência para decidir o litígio.
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma). Acórdão. Recurso Especial nº 1.550.260/RS. Ementa: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE FALSIDADE CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CONTRATOS. EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA. ASSINATURA. FALSIDADE. ALEGAÇÃO. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. COMPETÊNCIA. JUÍZO ARBITRAL. KOMPETENZ-KOMPETENZ.”. Relator Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 12/12/2017. Publicado em 20/03/2018.
[2] Vide: AgInt no AREsp 976.218/SP; AgInt no AREsp 1.372.134/SP; REsp 1.972.512/CE.
[3] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (…) VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; (grifos nossos).
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Acórdão. Recurso Especial nº 1.949.566/SP. Ementa: “RECURSO ESPECIAL. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. PREVISÃO DE CLÁUSULA ARBITRAL. EXECUÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO. IMPUGNAÇÃO DE QUESTÕES REFERENTES À EXISTÊNCIA DO PRÓPRIO TÍTULO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ATÉ DECISÃO DO JUÍZO ARBITRAL ACERCA DA MATÉRIA IMPUGNADA”. Relator Luis Felipe Salomão.. Julgado em 14/09/2021. Publicado em 19/10/2021.