Por que a ascensão feminina ainda é um labirinto?

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A jornada feminina no mercado de trabalho, apesar dos inegáveis avanços, ainda se depara com obstáculos enraizados na cultura heteropatriarcal brasileira, perpetuando desigualdades e limitando o pleno desenvolvimento profissional das mulheres. 

A sub-representatividade em cargos de liderança e a persistência de disparidades salariais, em confronto com a maior qualificação feminina, são apenas alguns dos reflexos da segregação histórica que relegou à mulher papéis secundários, quando não invisíveis. A discriminação enfrentada pelas mulheres é agravada quando consideradas as interseccionalidades como raça, classe social, sexualidade, entre outras.

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A título de exemplo, os dados estatísticos ilustram: apesar de possuírem, em média, maior nível de escolaridade e qualificação profissional, as mulheres continuam sub representadas em cargos de liderança e recebem salários inferiores aos dos homens. 

O estudo Women in the Workplace indica que as mulheres representam a maioria dos novos ingressantes no mercado de trabalho e dos graduados universitários, ocupando em massa os primeiros degraus da carreira corporativa. 

No entanto, essa predominância feminina se esvai abruptamente ao longo da hierarquia. Enquanto 56% dos cargos de assistente e analista são ocupados por mulheres, apenas 14% delas chegam às posições de gerência e diretoria.

No contexto da empregabilidade feminina, três metáforas se destacam para ilustrar os desafios enfrentados pelas mulheres em sua jornada profissional: o degrau quebrado, o céu de chumbo e a porta giratória.

O degrau quebrado se refere à dificuldade de acesso das mulheres aos primeiros cargos de liderança. A falta de oportunidades de desenvolvimento e mentoria, aliada a preconceitos e estereótipos, impedem que muitas mulheres alcancem o primeiro degrau da escada hierárquica.

A suposta facilidade de acesso aos cargos iniciais cria a ilusão de igualdade, mas esconde a falta de estrutura para desenvolvimento e manutenção na carreira corporativa. Isso porque, as mulheres são contratadas, mas as empresas não possuem uma base sólida que as permita ascender, tratando-se de um passo em falso, ou melhor, degrau falso.

O segundo fenômeno é o teto e as paredes de vidro, abrasileirados como céu de chumbo por Paola Capellin. Ele ilustra a dificuldade de projeção das mulheres aos cargos mais altos da hierarquia organizacional, efetivamente para galgar posições estratégicas e decisórias. 

O preconceito de gênero, a falta de modelos femininos de sucesso e a cultura organizacional machista criam teto e paredes invisíveis, que impede as mulheres de alcançar o topo da carreira ou as limita a áreas de atuação menos expressivas no mercado. 

Adicionando-se o céu de chumbo à realidade brasileira, descortina-se que os óbices de vidro, imputáveis às mulheres no cenário profissional não são, na verdade, invisíveis e artificiais. Eles são pesados, resistentes à corrosão, embora altamente maleáveis, tóxicos e que adquirem coloração/materialidade quando em contato com o ar, tal como o metal aludido na expressão. 

O céu de chumbo materializa comportamentos misóginos e estereótipos que barram a ascensão feminina. Essas barreiras, muitas vezes, são reforçadas para manter a dominação masculina.

Àquelas que alcançam posições estratégicas e táticas, há o desafio adicional da porta giratória, que representa a dificuldade de permanência das mulheres em cargos de liderança. O ambiente de trabalho hostil, repleto de labirintos organizacionais, a falta de apoio e o assédio moral e sexual levam muitas mulheres a abandonar suas posições, perpetuando a sub-representatividade feminina em espaços decisórios. 

Em outras palavras, as mulheres frequentemente param na metade da escada, sem conseguir chegar ao topo. E, mesmo quando chegam a cargos altos, são colocadas em áreas de menor poder e influência. À minoria que galga cargos decisórios enfrenta as sutis discriminações ao longo da carreira, que se acumulam e criam grandes desvantagens dentro e fora do mercado, sendo um convite à porta giratória.

As políticas ESG (Environmental, Social and Governance), com foco em Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), despontam como ferramentas cruciais para combater essas desigualdades impertinentes. As empresas que adotam práticas de DEI criam um ambiente de trabalho mais inclusivo, e demonstram seu compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade social, além de atrair e reter talentos.

Isso inclui, entre outras medidas, a promoção da equidade salarial, a criação de programas de mentoria e desenvolvimento de liderança para mulheres, a implementação de ações para combater o assédio sexual e moral, e a implementação de redes de apoio para a conciliação entre trabalho e vida familiar.

O foco em DEI também pode se refletir em ações concretas, como a implementação de processos de recrutamento e seleção que eliminem vieses de gênero, além de treinamentos sobre inclusão para todos os níveis hierárquicos dentro da organização e de capacitações para formação de lideranças humanizadas. 

A presença de políticas robustas de DEI nas empresas não apenas contribui para a erradicação de práticas discriminatórias, mas também reforça a relevância do compromisso corporativo com a responsabilidade social.

O Estado, por sua vez, desempenha um papel fundamental na promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho. A legislação trabalhista brasileira, por exemplo, prevê a igualdade salarial entre homens e mulheres e proíbe a discriminação de gênero na contratação e promoção. 

O Judiciário representa uma frente vital nesse enfrentamento, e a implementação do Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, que aborda as questões de gênero e sexualidade, raça e etnia e pessoa com deficiência e idosa como diretriz para julgamentos dessa natureza, é um exemplo disso.

A participação plena e equitativa das mulheres no mercado de trabalho transcende a mera questão econômica; ela é o alicerce para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e diversa. Afinal, quando as mulheres ocupam seus lugares de direito, não apenas a economia se fortalece, mas a própria estrutura social se transforma, impulsionando a inovação, a criatividade e a igualdade.

É, portanto, imperativo romper o “degrau quebrado”, destravar a “porta giratória” e dissipar o “céu de chumbo”, para que as mulheres ocupem o lugar que lhes cabe no mercado de trabalho e na sociedade, sob pena de permanecermos aprisionados por barreiras (in)visíveis.