Populismo tributário? Velha narrativa, novo elenco

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O ano era 2013. O dia, 6 de junho. O Brasil vivia o seu 7º mandato presidencial desde a redemocratização ocorrida em 1985 [1]. Manifestações populares contra a ordem político-econômica estabelecida pipocaram por todo o país a partir daquele dia. Antes, fervilharam nas redes sociais e foram servidas à mesa do brasileiro nesta data, inicialmente na cidade de São Paulo.

Jovens, liderados pelo Movimento Passe Livre, foram às ruas contra o aumento então recentemente divulgado da tarifa de transporte municipal (SP) de R$ 3,00 pra R$ 3,20, os tais R$ 0,20. Cortamos a cena e projetamos o filme, ou o próximo corte, para 12 anos à frente. O ano agora é 2025.

Passamos por um processo de impeachment de presidente da República (mais um em nossa curta democracia), tivemos um mandatário do Executivo Federal não eleito diretamente pelo povo, seguimos com a administração de um outsider, enfrentamos uma pandemia e, finalmente, retornamos ao status quo.

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Sem opiniões ou adjetivos. São exatos 40 anos (1985-2025) de povo no poder[2].

Nossa jovem e barulhenta democracia vem sendo testada e retestada. Nossas instituições de Estado vêm resistindo, mais ou menos, a depender do interlocutor responsável pela narrativa. Fato é que o Direito pavimentou as vias e cobrou pedágio dos agentes que guiaram sobre elas nesse período.

Direito Regulatório (energia), Direito Fiscal (tarifas públicas), Direito Tributário (arrecadação), Direito Penal (corrupção), Direito Constitucional (impeachment), Direito Eleitoral (urnas eleitorais). Vimos nascer na casa de cada brasileiro, revelado pelas quentes redes sociais, juristas autodidatas, sem diploma, mas com notório saber jurídico a reverberar sofismas, ao melhor estilo dos filósofos gregos que criaram na antiguidade o estilo argumentativo que pouco ou nada se preocupava com a verdade, talvez ali, desapercebidamente, o embrião das hoje famosas fake news[3].

Feito esse breve apanhado histórico-jurídico, jogamos luz sobre o recente Projeto de Lei 1.087/2025 proposto pelo governo federal em 18 de março de 2025, que se propõe supostamente a trazer justiça tributária e equalizar ou mitigar diferenças entre a carga tributária suportada diretamente por cidadãos que estão em posições economicamente opostas, sob outra dialética, ricos e pobres.

A finalidade parece nobre. É bom que se frise. Sem perder a técnica sofista de vista. Em breve resumo, a atual administração do governo federal pretende entregar aos seus eleitores uma de suas principais bandeiras eleitorais, qual seja a isenção de imposto de renda (IR) aos contribuintes que ganham até R$ 5.000 por mês.

Importante, contudo, considerar a realidade, dura, das contas públicas brasileiras: com déficits (diferença entre receitas e despesas) batendo recordes ano a ano e nenhuma disposição aparente do governo federal de mexer na linha das despesas. Se a União não gasta menos, a solução emergencial é arrecadar mais. É matemática pura e simples.

Em que pese a razoabilidade iminente de, em situação excepcional, a sociedade coletar contribuições financeiras de seus cidadãos que podem mais, reluz ainda mais aos olhos, para além da completa despreocupação dos governantes com os gastos públicos (sem ousar entrar na qualidade destes), o fato de que não há qualquer constrangimento em deixar de se falar na diminuição do gasto público, ou seja, este é um pressuposto, e ponto.

Eis que, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, que predispõe que a eventual renúncia de receita pelo administrador público deve ser sempre e necessariamente acompanhada de um incremento de receita proporcional, sob pena de responsabilização dos agentes públicos responsáveis, o governo federal se viu sem saída.

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E, para sustentar a execução de uma promessa eleitoreira, ora inconveniente e inoportuna, nada mais adequado para administradores públicos que flertam com o populismo, do que uma medida para impactar o andar de cima. Nem se fale no fato de a administração atual, às vésperas das próximas eleições, experimentar um declínio acentuado nos seus índices de popularidade.

A reflexão que se pretende trazer à mesa não é sobre a suposta medida de justiça tributária, e sem fazer qualquer juízo de valor sobre esta, mas, sim, sobre os reais intuitos dos nossos governantes e, se, no limite, estaríamos diante de novas “pedaladas fiscais”.

Este filme traz um gostinho de “dejá fu”. Perdoe o lapso de digitação, “dejá vu”. Mas onde está o problema ou por que a crítica sobre a tributação adicional mínima das pessoas físicas que auferem mais de R$ 600 mil anuais (cerca de US$ 100 mil) em um país em desenvolvimento? No populismo.

É notório que o Sistema Tributário Nacional apresenta distorções. Alta tributação sobre os pilares consumo e folha de salários, o que atinge em cheio a classe trabalhadora, baixa tributação sobre patrimônio e renda, que impacta sobretudo as classes sociais do topo da pirâmide.

Mas é claro também, àqueles que se debruçam a mais tempo sobre o caso, que a solução sistêmica passa por propostas e discussões legislativas já havidas no passado que abrangem a redistribuição da tributação de toda a cadeia econômica, iniciando pelas pessoas jurídicas, ponto, que, inclusive, é chave para o ingresso efetivo do Brasil na OCDE[4].

A proposta atual não encara a realidade dos fatos e foca no imediatismo, seja na tentativa financeira de emparelhar as contas públicas por meio do aumento de receitas (e não pela diminuição de despesas), seja pelo populismo de emitir ao grande público a narrativa de que o governo federal protege e busca apoiar financeiramente a população mais carente, enquanto taxa aqueles que podem pagar mais, o que, visto isoladamente, estaria alinhado com o princípio desenhado no artigo 145, §1º, da Constituição Federal de 1988, da capacidade contributiva.

A reflexão que se pretende provocar é sobre a chance de ouro (mais uma) que o Brasil tem de consertar políticas econômico-fiscais antiquadas e erráticas que datam do nosso período colonial. Lembrança imediata da Inconfidência (ou Conjuração) Mineira. Um novo recorte, agora para 1789.

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A elite socioeconômica de Minas Gerais, então a capitania mais rica do Brasil em razão da mineração (diamantes e ouro), conspirou contra a Coroa portuguesa inconformada com a crescente alta dos impostos cobrados ao longo do século XVIII.

O estopim foi a derrama ordenada pelo Marquês de Pombal, procedimento que consistia na cobrança forçada (com armas, inclusive) de imposto de toda a população, quando a arrecadação sobre a circulação do ouro (o quinto, 20%), cuja extração vinha em decadência, não atingia os níveis previstos pela Coroa.

Qualquer semelhança com 2013 ou com 2025 não é mera coincidência. Seria o momento de a sociedade, governantes inclusos, aprender com os erros do passado, reordenar-se diante de um projeto de Estado, no qual ideologias e projetos setoriais seriam colocados de lado em prol da prosperidade comum, e lançar voo com destino ao progresso?  


[1] 1985 – 1990 (Tancredo Neves e Governo Sarney), 1990 – 1994 (Governos Collor e Itamar Franco), 1995 – 2002 (Governo FHC), 2003 – 2010 (Governo Lula) e 2011 – 2016 (Governo Dilma).

[2] Democracia, segundo o Dicionário Aurélio, é doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão de poderes e pelo controle da autoridade, isto é, dos poderes de decisão e de execução.

[3] Sofisma, de acordo com a filosofia, é um argumento ou raciocínio aparentemente verossímil ou verdadeiro, porém apresentando falhas lógicas, pois deliberadamente enganoso, com o objetivo de enganar ou induzir alguém a erro.

[4] A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) constitui foro composto por 35 países, dedicado à promoção de padrões convergentes em vários temas, como questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais. Suas reuniões e debates permitem troca de experiências e coordenação de políticas em áreas diversas da atuação governamental