Popularidade do bolsonarismo está imune a ações da Justiça e PF

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Janeiro termina com o bolsonarismo na mira da Justiça e da Polícia Federal. Nesta segunda-feira (29), o “filho 02” de Jair Bolsonaro (PL-RJ), o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi alvo de uma operação da PF que investiga o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o mandato do ex-presidente, entre 2019 e 2022, de maneira ilegal.

A operação incluiu mandado de busca e apreensão que foi cumprido em Angra dos Reis (RJ), onde Carlos e o pai encontram-se acompanhados de familiares e realizaram no último fim de semana eventos políticos, incluindo uma superlive em que Bolsonaro sugeriu ser vítima de perseguição política.

O vereador teria tido acesso a informações sobre adversários do pai obtidas ilicitamente enquanto a Abin estava sob o comando do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. Na semana anterior, Ramagem e o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Carlos Jordy (PL-RJ), foram alvo de operações que buscam desvendar o entulho autoritário da presidência de Jair Bolsonaro. Porém, tal como ocorre com as ações criminais contra Donald Trump nos Estados Unidos, a ofensiva policial-judiciária contra a extrema direita brasileira tende a fortalecer ainda mais esse movimento político.

Não se defende aqui ignorar as evidências a respeito das conexões de Jordy com os golpistas de 8 de janeiro de 2023 nem o fato de Ramagem ter colocado a Abin a serviço pessoal de Bolsonaro durante o período em que dirigiu a arapongagem do governo federal. Apenas se constata a resiliência da extrema direita, capaz de transformar até mesmo potenciais crimes de suas lideranças em evidências da suposta podridão sistêmica que tanto dizem combater.

Inelegível, o ex-presidente continua ativo nas redes sociais e em eventos políticos. No último sábado (27), Bolsonaro discursou em evento em Angra e criticou as penas aplicadas aos golpistas. “Hoje nós vemos colegas nossos condenados a 17 anos de prisão, muitos inocentes. E até mesmo aqueles que porventura invadiram lá o Congresso, o que nós somos contra, mas uma condenação de 17 anos é um crime, é um abuso, é uma maneira de tentar calar todos nós”, argumentou o líder-mor da extrema direita, para em seguida indicar aos correligionários que alguma coisa deve ser feita no Congresso Nacional para mudar esse estado de coisas.

Ou seja, articula-se, no longo prazo, uma anistia para golpistas caso a direita — capitaneada por extremistas ou não — volte ao Planalto. No curto prazo, os bolsonaristas devem apelar ao corporativismo no Congresso e articular com o centrão medidas que reduzam os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF) e dificultem ações policiais contra parlamentares.

Bolsonaro tem cacife para tanto pois, mesmo inelegível e sem mandato, é o líder da oposição de fato, capaz de atrair holofotes ao negar que tenha tido algum envolvimento com o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) em 2018 — suspeita que voltou a circular com a informação divulgada pela PF de que a Abin sob Ramagem monitorou a promotora responsável pelo caso. O fim de semana do ex-presidente ainda teve espaço para ele ironizar a baixa audiência das lives do atual inquilino do Alvorada, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e, no domingo (28), em superlive de seu “filho 03”, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), classificar como mera narrativa as suspeitas acerca da criação de uma “Abin paralela” sob Ramagem.

Lula ainda segue o nome mais forte para 2026 dentre os que não compactuam com golpes e afins em hipótese alguma. Porém, é cada vez mais criticado por vozes do establishment por fazer uma política econômica demasiado estatista, o que sugere a busca das elites por uma alternativa à oposição entre Lula e Bolsonaro. Aliás, a trajetória do atual presidente desde a prisão em Curitiba, passando pela anulação dos processos em que tinha sido condenado até a conquista de um inédito terceiro mandato democrático, ilustra à esquerda os riscos políticos de promover uma caçada judicial apenas a um lado do espectro político.

Faça-se valer a lei e preservar o Estado democrático de Direito de seus opositores com mandato popular, mas, reiterando, sem ignorar que as sementes para fortalecer a narrativa de que figuras como Jordy e Ramagem são, na verdade, perseguidos. O mundo paralelo de canais no Telegram e outras redes sociais é o principal mecanismo — mas não a raiz — que explica por que o bolsonarismo sobrevive após a derrota nas eleições presidenciais em 2022 e as evidências inequívocas acerca do caráter antidemocrático desse movimento que surgiram desde então.

Num país onde se perdoa o pecador, mas não o pregador, provas cabais de crimes são troféus para os seguidores mais fanáticos, ávidos por mártires de uma revolução. De fato, o que é uma revolução senão um golpe bem-sucedido? Apenas pare e imagine por poucos segundos como hoje o 8 de janeiro seria lembrado caso Lula tivesse sido deposto, e o STF, emasculado de suas funções, com o eventual impeachment sumário de ministros que lideram a linha de frente de defesa da democracia.

A história é escrita por vencedores. Por ora, prevalecem os democratas com honestidade intelectual ainda que muitos sejam seus pecados. Os pregadores de bolsonaristas na cruz fundamentada pela Constituição serão heróis no futuro? Hoje já o são entre os compatriotas radicalizados que, pacientes, aguardam apenas uma nova oportunidade para tentar derrubar uma ordem legal que, todavia, não é vista mais como legítima por parcela significativa da população.

Tal como mundo afora, as raízes da extrema direita brasileira não são políticas nem apenas econômicas. São sobretudo sociológicas. Rupturas ocorrem quando a sociedade põe em xeque o Estado que não mais lhe representa. Os golpistas de ontem podem ser os revolucionários de amanhã se percepções sobre legitimidade ganharem precedência sobre o respeito à legalidade.