Poder das redes e soberania

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Os conglomerados globais monopolizadores da difusão de informações não se equiparam aos singelos provedores de conteúdos sem impacto sistêmico. Ao contrário de mais um veículo de compartilhamento de informações, as atividades econômicas por eles exploradas possuem elevado potencial de definir os rumos de rotinas democráticas e de formação de consensos – ou dissensos – sociais. Referida capacidade perturbadora não pode ser ignorada pelo Direito.

As grandes redes são instrumentos privados de divulgação e direcionamento de conteúdo que possuem elevado potencial. Elas são capazes de, inclusive, relegar ao segundo plano a comunicação social clássica e a mídia tradicional.

A responsabilidade dos grandes provedores de aplicativos sobre conteúdos veiculados por terceiros, dada a magnitude para as relações sociais e para a vida em sociedade, é inquestionável. Ainda que a soberania nacional venha a ser constantemente desafiada e sejam relativamente limitados os instrumentos de cooperação jurídica internacional entre os Estados, não se pode renunciar à responsabilidade das corporações sediadas em outros países.

Há situações em que a desregulação e autorregulação são adequadas à conformação de atividades econômicas. Entretanto, há hipóteses em que a regulação estatal se mostra imprescindível. É o caso da regulação das redes, que deve assegurar liberdade de expressão, de informação, de comunicação, de opinião e de autodeterminação informativa.

Por outro lado, a Constituição, além de garantir da dignidade, a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem, também assegura o direito de resposta, o direito ao esquecimento e a indenização por dano material e moral.

A exploração de atividades econômicas, ainda que aparente sujeitar-se meramente às regras de livre mercado e aos interesses egoísticos da iniciativa privada, é condicionada pela Constituição. É a Constituição o elemento responsável pela demarcação das condições e das possibilidades das relações econômicas e sociais, cabendo às espécies normativas infraconstitucionais regular a atividade empresarial em busca da preservação dos legítimos interesses em jogo e impor limites ao abuso de poder das redes. 

Nossa ordem econômica é, dentre outros, fundada nos princípios da livre iniciativa, da propriedade privada e da concorrência, sendo assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização estatal, ressalvadas hipóteses excepcionais.

Aos referidos princípios se somam, dentre outros, o da função social da propriedade e o da redução das desigualdades sociais. Também não se pode desconsiderar serem fundamentos da nossa República os valores sociais do trabalho, o desenvolvimento, a erradicação da pobreza e da marginalização e, ainda, a redução das desigualdades.

Ou seja, a projeção da liberdade individual no plano da produção e de apropriação privada não é incondicionada. Ainda que, por um lado, seja desejável a inovação e a geração de riquezas propiciada pelas redes, elas devem ser balizadas por determinados valores inegociáveis.