A frase do título desta coluna foi dita na semana passada pela diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, em discurso prévio à abertura da reunião do organismo multilateral. Embora não tenha sido direcionada ao Brasil, ela resume bem a situação atual, na qual o país e o governo Lula enfrentam uma crescente pressão financeira aparentemente incompatível com os dados macroeconômicos e com a tendência de melhora nos números fiscais que começa a se desenhar.
O Brasil vive uma combinação de inflação relativamente baixa (entre 4% e 4,5%, ainda que acima do centro da meta) com um crescimento mais pujante (na casa de 3%). Também há desemprego nas mínimas da história recente e um cenário no qual começa-se a ter resultados primários melhores e uma convergência em direção à meta. Parte disso é mérito da atual administração.
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Mesmo assim, o que se tem visto é uma crescente piora na percepção do mercado sobre o Brasil, espelhado em um dólar que já roda a R$ 5,70 e taxas de juros crescentes (tanto a de curto prazo, fixada pelo Banco Central, como as futuras de médio e longo prazos).
O ambiente de desconfiança tem uma série de fatores. No front doméstico, as dúvidas vêm escalando, mas em geral são de natureza fiscal, embora também haja incerteza no campo monetário. O governo Lula não consegue convencer os formadores de preços de ativos que entende que há limites impostos tanto pela economia como pela legislação fiscal. Ao contrário, movimentos recentes, ainda que de magnitude pequena, alimentam os temores.
Essa dificuldade em coordenar expectativas se intensifica com o peso dos fatores externos. O ritmo cauteloso de cortes nos juros americanos que se espera nos próximos meses e o risco de Donald Trump ganhar as eleições, que acentuou os riscos de dólar forte por conta da possível política mais protecionista, estão acentuando a postura defensiva dos investidores.
Se é fato que os números da economia são melhores do que se esperava, há outros fatos conexos que, na atual conjuntura, estão forçando o governo a uma revisão de postura e um recálculo de rota.
A questão da atividade econômica é uma delas. É ótimo que a economia esteja crescendo a 3% e já próxima do “pleno emprego”, mas é um amplo consenso entre os economistas que a ociosidade, que ficou por anos elevada e ajudando a domar a inflação, não existe mais. Por isso, é preciso cuidar do ritmo da atividade daqui para frente para a economia não ficar muito acima da sua capacidade e, assim, perder o controle do IPCA.
Embora o mercado veja um potencial de crescimento do PIB mais baixo, em torno de 1,5% e nos mais otimistas ao redor de 2%, o governo trabalha com algo em torno de 2,5%. Independentemente de quem estiver certo, é preciso um pouco de água na fervura, que já começou a ser aplicada, cuidando também para não exagerar na dosagem e apagar o fogo do PIB.
Na economia, olha-se para frente o tempo todo. A desaceleração da atividade já é amplamente esperada para o ano que vem, por mercado e pelo governo. E, como mostrou suas mais recentes projeções, também pelo FMI, que prevê o PIB de 2025 em 2,2% de alta.
Em geral, essas expectativas consideram um cenário de juros mais altos e uma política fiscal menos expansionista do que tem sido nesses últimos dois anos.
Ainda que esteja caminhando em direção às suas metas de resultado primário, a velocidade de convergência, porém, ainda é vista no mercado como lenta para o contexto em que estamos. Por isso, os analistas e investidores têm feito compensações no lado dos juros, projetando uma Selic e taxas futuras de longo prazo mais altas. Com isso, uma dívida, que já é alta, fica cada vez mais cara.
No meio do ano, o governo tentou dar um sinal fiscal com o pente-fino de R$ 25,9 bilhões para 2025. Mas não foi suficiente. Não só porque não conseguiram convencer os especialistas de que isso garantiria a sustentabilidade de longo prazo do arcabouço fiscal, mas também porque, enquanto atuava de um lado, do outro o governo resolveu dar mais sinais de interesse em políticas chamadas de “parafiscais” (para estimular o crédito direcionado ou executar programas fora do limite de gastos).
Com o relatório bimestral de setembro, o governo perdeu uma chance de ouro de mostrar com baixo custo um comprometimento fiscal, que poderia ter colocado um freio na escalada dos juros futuros.
Optou-se por uma míope leitura jurídica das regras orçamentárias para desfazer o contingenciamento de gastos, ao invés de se fazer uma óbvia leitura econômica de que o momento requeria até mais contenção de gastos e não menos. Além de mal comunicada, a decisão foi economicamente errada. Seu custo é crescente.
Neste ambiente, o BC tem subido os juros. Com uma meta de inflação excessivamente ambiciosa, mas já definida para os próximos anos, e um futuro presidente em busca de credibilidade, a instituição vai continuar apertando a política monetária. Especialmente porque, dado o déficit de credibilidade sobre um BC de maioria de indicados do petismo e uma política fiscal ainda sem ser convincente, as expectativas seguem piorando.
O resultado é que o custo da dívida vai subir e exigir mais da política fiscal, enquanto o governo não consegue obter confiança.
Agora os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet prometem um programa mais ambicioso de contenção de gastos. A mira é desfazer qualquer dúvida sobre o compromisso do governo com o arcabouço. Interlocutores da área econômica, em conversas com o mercado, já sugerem que o conjunto de medidas será relevante e vai surpreender – ainda que isso seja um paradoxo com o próprio conceito de surpresa.
Como o governo não perde uma chance de arrumar problemas para si mesmo, o Planalto nesta semana divulgou uma nota chamando de falsa as notícias sobre estudos de mudança no seguro-desemprego, alimentando os temores do mercado de que a montanha pode parir um rato.
Vale dizer que a mentira no caso quem contou foi o Planalto, já que os estudos estão sim sendo feitos. Como até fake news tem valor informativo, essa do Planalto revelou a disputa política que já começa a crescer em torno das medidas de Haddad e Tebet e como será difícil avançar neste flanco.
A equipe econômica sabe que resolveu buscar uma trilha difícil, mas entende que não lhe resta muita saída. É provável que os ministros consigam convencer Lula a fazer algumas coisas, dentro dos limites políticos existentes. Até o anúncio e detalhamento, contudo, ficará a dúvida no ar.
O mercado local está não só em uma linha de “ver para crer”, mas o azedume é tão grande que, mesmo sem saber o que efetivamente vem, não são raros os comentários de que o anúncio não vai ser suficiente. É preciso dizer que a falta de credibilidade que isso evidencia é em parte reflexo de uma má vontade atávica da Faria Lima com o governo. Mas nos últimos meses a má vontade também tem sido estimulada pelos próprios passos dúbios e mal dados da administração petista.
Ainda que queira entregar medidas importantes e fortes o suficiente para recuperar o controle da narrativa com o mercado, a equipe econômica também precisa cuidar para não exagerar na dose. Vale lembrar que em 2025 a economia já não terá o impulso de medidas fortemente expansionistas, como a PEC da Transição (que empurrou a economia em 2023) e a quitação do calote dos precatórios (feita no fim de 2023, com efeito econômico em 2024).
É uma engenharia complexa. O modelo macrofiscal de Haddad não se sustenta com baixo crescimento econômico. Mas também não vai sobreviver sem recuperar a confiança, o que depende de agir com mais clareza e firmeza no lado do gasto, além de parar de dar sinais trocados no parafiscal.
Como o governo falhou demais em coordenar as expectativas em seus diferentes flancos nos últimos meses, além de perder tempo, agora vai ter que operar em uma zona de risco maior de errar na mão, para um lado ou para o outro. O momento é decisivo não só para a economia, mas para os destinos políticos da atual administração em 2026. É preciso fazer melhor.